Apesar de ser uma pessoa que hoje seria "cancelada", Phineas Taylor Barnum criou um museu itinerante — uma mistura de circo, zoológico e freaks (pessoas consideradas aberrações, em português) — e levou uma vida que inspirou peças e filmes (como O Rei do Show, com Hugh Jackman). A sua história chega agora a Porto Alegre com o musical Barnum - O Rei do Show, uma versão brasileira, indicada e vencedora de prêmios, que traz elementos circenses e busca colocar a diversidade no centro do debate. O espetáculo traz a gaúcha Valéria Barcellos no elenco, composto por 18 artistas, entre eles membros do Cirque du Soleil. As apresentações no Teatro do Sesi, neste sábado (5), às 20h30min, e domingo (6), às 19h, encerram a temporada brasileira.
O espetáculo, que estreou na Broadway há quatro décadas, com Jim Dale e Glenn Close, conquistou 10 indicações ao Prêmio Tony (o Oscar do teatro americano). Com direção de Gustavo Barchilon, o musical norte-americano, um dos mais famosos do mundo, foi adaptado para se comunicar de maneira lúdica com a realidade brasileira e com o público. Trata-se de uma biografia do showman e empresário referência no ramo do entretenimento.
Considerado por alguns o inventor do marketing, Barnum foi também o criador do circo tal qual o conhecemos. Aventurou-se, ainda, pelo mundo político. É visto por outros, sobretudo, como um charlatão carismático, que ludibriava o público com excessos — e que suscita calorosas discussões a respeito de questões como a exposição e a exploração de pessoas e a enganação.
Apesar de retratar um mundo de outrora, o musical traz ainda outros temas atuais, como o preconceito e o racismo — induzindo uma reflexão sobre humanidade, igualdade e inclusão.
— Ele foi um cara que, por um lado, deu oportunidade para as pessoas, vendeu sonhos, impulsionou aqueles que estavam à margem da sociedade, mas por outro lado, hoje em dia, ele seria uma pessoa que não poderia fazer isso — pondera o diretor, que integra a equipe artística de Magic Mike, no West End, em Londres, e também tem passagem pelo Cirque de Soleil.
Para Barchilon, foi possível extrair as coisas boas de Barnum - O Rei do Show, que é apresentado de forma alegre, buscando entreter e, ao mesmo tempo, fazendo o público refletir. O que mais encanta, em sua visão, é o circo — elementos circenses vão se misturando às cenas, sem se tornar um show de circo. Alguns detalhes também dão o tom da imersão no mundo colorido que o respeitável público encontrará, como o próprio ingresso, que já é parte do cenário.
Contudo, mais do que o circo, o diretor chama a atenção nesta versão para o amor — algo sempre atual — e a convivência com pessoas que são diferentes por meio deste. Isso se materializa no relacionamento de Barnum e Charity (interpretada por Kiara Sasso), que se torna protagonista junto ao marido e é a responsável por tornar possíveis os sonhos dele. A peça, portanto, evidencia ainda o empoderamento feminino. Por outro lado, para o lamento de Charity, a antagonista Jenny Lind (Renata Ricci), contratada para uma turnê, passa a ser alvo de toda a atenção de Barnum.
— Eu acho que poder trazer cor para o Brasil em um momento tão difícil que nós passamos, e estamos passando ainda, é muito especial, as pessoas poderem sair de casa para sonhar. É o que a gente mais precisava depois de uma pandemia. Você vai conseguir visualizar a persistência desse Barnum — afirma Barchilon.
No musical, Barnum é interpretado por Guilherme Logullo. O ator descreve a experiência como "fascinante":
— O personagem é cheio de nuances, de curvas, altos e baixos, nos quais consigo explorar ao máximo meu lado enquanto ator, cantor e bailarino. Ele canta, dança, interpreta, anda na corda bamba. Para mim, tem sido realmente um dos maiores desafios da minha carreira.
Ele conta que o retorno do público tem sido positivo e que o coração está cheio de expectativas para apresentar o musical em Porto Alegre.
— O público está encantado, todo mundo querendo fugir com o circo, é a coisa mais linda — declara.
Foco na diversidade
A diversidade é o ponto central nesta versão contemporânea de Barnum - O Rei do Show, que faz problematizações, conforme o diretor. O espetáculo traz elementos do show de Barnum, como Joice Heth (interpretada por Valéria Barcellos), uma personagem emblemática em sua carreira, e Tom Polegar, um anão. Uma das atualizações foi justamente o papel de Joice.
— Eu resolvi trazer uma trans para o papel, porque o Brasil é o país que mais mata homossexuais no mundo, então eu fiz questão de trazer isso, a gente está falando de preconceito também, de trans, e fomos a primeira produção que botou uma trans em um papel de protagonismo no Brasil. São artistas maravilhosos — explica Barchilon.
A multiartista trans gaúcha Valéria Barcellos revela que ficou encantada e horrorizada com a história de Joice, uma escrava que foi vendida a Barnum e se tornou uma de suas maiores atrações, sendo apresentada como a mulher mais velha do mundo, com 160 anos (tinha na verdade, cerca de 80), e babá do ex-presidente norte-americano George Washington — uma das primeiras enganações que Barnum empreendeu —, que, ao mesmo tempo, levava a arte como um lema de vida.
Em seu primeiro musical, Valéria também interpreta outros dois personagens. Acostumada a fazer shows solo, relata que os principais desafios são compreender a dinâmica de um palco compartilhado, uma troca que descreve como "maravilhosa"; desgrudar as proximidades entre ela e as personagens, e, ao mesmo tempo, aproximá-las, para entendê-las; assim como a dificuldade de interpretar uma mulher de "160 anos".
A gaúcha conta que está comovida com a resposta de sua atuação no musical e que será emocionante apresentar o espetáculo nos palcos gaúchos. Ela gosta de pensar os movimentos artísticos como mensagens subliminares.
— As pessoas jamais vão esquecer que existia uma mulher trans no palco interpretando três personagens muito distintas e uma delas de muito protagonismo na peça — explica, esperando que elas levem isso como um bom exemplo a ser seguido.
Por meio do fazer artístico, Valéria busca levar sua luta adiante: tentar fazer as pessoas entenderem e se aproximarem de sua realidade, que não é tão diferente da delas, para que isso se transforme em algo natural e normal — gerando cada vez mais representatividade e virando regra a presença de pessoas trans em todos esses lugares.
"Barnum - O Rei do Show"
- Neste sábado (5), às 20h30min, e no domingo (6), às 19h.
- No Teatro do Sesi (Av. Assis Brasil, 8.787), em Porto Alegre.
- Ingressos a partir de R$ 50, à venda no site e na bilheteria do teatro três horas antes de cada sessão.
- 50% de desconto para sócios do Clube do Assinante RBS e acompanhante.