Começou com tensão. Em 1972, colegas do curso de Arte Dramática da UFRGS decidiram fazer um manifesto em referência ao cinquentenário da Semana de Arte Moderna de São Paulo. E, no auge da repressão militar, foi realizada uma pantomima chamada O Presente, no Auditorium Tasso Corrêa, do Instituto de Artes, com direção de Dilmar Messias. O público que chegava ao local para assistir ao espetáculo ganhava um folheto denunciando a situação política do país. Deu tudo certo. Pelo menos, até o dia seguinte.
— No outro dia, o Dops (órgão de repressão da ditadura) foi à escola perguntar quem tinha feito a peça. Por isso, os professores e o diretor da escola nos aconselharam a dar um tempo. A gente, então, ficou um tempo sem assistir a aulas porque estava muito tenso o ambiente e eles acreditavam que tinha pessoas nos observando. Essa foi a minha primeira experiência como diretor, já bastante forte — conta Dilmar.
Por causa do episódio, O Presente nunca mais foi montada. Mesmo assim, o diretor comemora:
— A gente atingiu todos os nossos objetivos, que era comunicar a nossa ideia, a nossa insatisfação com a situação e, ao mesmo tempo, incomodar o sistema vigente.
A partir desta peça, Dilmar pegou gosto por dirigir e escrever espetáculos. Foram mais de 60, entre adultos e infantis, nestes 50 anos de carreira atrás dos palcos — em cima dele, atuando, ele havia estreado um pouco antes, em 1967, em uma opereta chamada A Casta Suzana. Uma vida dedicada às artes cênicas, que proporcionaram que o diretor tenha trabalhado com a maioria dos atores de Porto Alegre, fato que ele comemora.
O circo
A intenção de Dilmar com os seus colegas de UFRGS sempre foi fazer um trabalho mais popular e, por isso, formaram, no começo dos anos 1970, o Grupo Girassol. O conjunto ficou reunido até 1976. Depois, o diretor partiu para outros trabalhos, mas, no final dos anos 1990, criou o Circo Girassol, que seria uma "continuação" do Grupo Girassol.
Pensando sobre o teatro popular, Dilmar percebeu que o circo se encaixava na estética lírica e colorida. A partir disso, ele passou a trazer a palhaçaria, sempre que possível, para o seu trabalho. O ponto de partida foi em 1978, com a montagem de A Tragicomédia de Dom Cristóvão e da Srta. Rosita, que foi quando o seu teatro ficou marcado "por essa coisa lírica, lúdica e poética", segundo ele.
Com isso, também ganhou força o teatro infantil na carreira do diretor e dramaturgo — inclusive, devido à sua trajetória com as encenações para as crianças, em 2001, ele recebeu uma homenagem do Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude (CBTIJ), no Rio de Janeiro. Essa distinção o marcou por tê-la recebido juntamente com Ilo Krugli e Maria Clara Machado, considerados dois grandes ícones do teatro para crianças.
— Eu sempre dividi a minha vida de diretor entre o teatro para a infância e o teatro para adultos, e sempre os dois foram experiências muito importantes. Porque eu fazia o meu teatro para crianças como eu fazia para adultos — explica Dilmar, que relata ser de uma geração que sempre pretendeu viver de teatro, então, para se manter sempre em cartaz, trabalhava em duas peças por ano, uma adulta e outra infantil.
Hoje
O Circo Girassol segue até hoje, mesmo com as dificuldades atuais enfrentadas pela classe artística, como a pandemia e, segundo Dilmar, a rejeição do trabalho cultural por parte do governo federal, que "não reconhece a cultura como um elemento de transformação do indivíduo". Mas a retomada chegou, e as peças voltaram a sair para a rua.
Dilmar está com três projetos voltando aos palcos ou estreando: Os Palhaços de Tchékhov (lançado em 2019); o monólogo De Profundis – Epístola: In Carcere et Vinculis (que estreou em abril), com Elison Couto, a partir da obra de Oscar Wilde, em direção conjunta com Gabriel Messias, filho de Dilmar; e o infantil Bichológico (as últimas sessões da temporada de estreia serão no sábado e no domingo, às 16h, no Teatro Renascença), criado com Débora Rodrigues, sua esposa, a partir do texto de Paula Taitelbaum. Os três espetáculos retornarão a cartaz em junho.
Essa volta ao presencial acontece justamente no ano em que completa meio século de carreira no comando de peças. Um presente de bodas de ouro. As duas peças adultas, Os Palhaços de Tchékhov e De Profundis, seguem de um projeto de fazer uma trilogia com leituras sobre a obra de autores clássicos: Anton Tchékhov, Oscar Wilde e Franz Kafka. Os dois primeiros estão rodando. Agora, falta o último.
No final, as três peças com as quais Dilmar Messias está trabalhando atualmente são distintas entre si e mostram a versatilidade do diretor. Enquanto Os Palhaços de Tchékhov tem uma ligação circense, com a inserção da palhaçaria em uma obra clássica, De Profundis conta com um texto dramático, denso e forte, e Bichológico mexe com o imaginário infantil. Não falta fôlego para o diretor e ator, que segue firme e forte aos 74 anos.
— Me divirto muito no palco, quando atuo, embora que para chegar lá seja sempre uma dificuldade, porque sou muito tímido. Hoje, tenho um prazer enorme de fazer esse trabalho de direção. É um trabalho coletivo que exige uma relação pessoal além de todo o cuidado técnico. E eu sou uma pessoa extremamente dedicada ao trabalho que faço – aponta.
Dilmar Messias sempre tem muitos projetos em andamento, os quais ele consegue equilibrar com seu trabalho como diretor artístico do Theatro São Pedro, em Porto Alegre. Mesmo tendo uma "certa dificuldade" de se organizar com todas essas tarefas, ele garante que vem conseguindo tirar de letra. E ainda tem na soma a sua casa, a sua família e o Circo Girassol, que ele comemora por ter conseguido reencontrar depois de dois anos de afastamento.
— Eu realmente estou bastante feliz com isso — enfatiza.
Apesar de estar em um período de comemoração, o diretor multipremiado enxerga uma triste relação entre agora e o seu início no comando dos espetáculos:
— Há 50 anos, estávamos vivendo uma repressão enorme, uma censura enorme. E hoje a gente está vivendo uma censura econômica e uma repressão. Existe um desinteresse em promover a cultura por parte do governo federal. Essa é uma coisa que me faz pensar: a gente está voltando para 50 anos atrás, estamos regredindo. Mas vamos continuando o nosso trabalho, lutando contra o autoritarismo e a censura.
Bichológico
- Sábado (7) e domingo (8), às 16h, no Teatro Renascença (Avenida Erico Verissimo, 307), em Porto Alegre.
- Ingressos a R$ 40, à venda na bilheteria do teatro, uma hora antes de cada sessão.
- Com Débora Rodrigues. Direção de Dilmar Messias.
- Espetáculo para o público infantil, com duração estimada de 30 minutos.