São quase 50 anos dedicados aos palcos. Mesmo assim, Luciano Alabarse está ansioso pelo abrir das cortinas. Segundo ele, um misto de sentimentos tomou conta: plenitude, satisfação, desafio. Isso porque ele retorna a um grande espetáculo depois de oito anos dedicados à carreira pública, tendo feito apenas uma peça, Lilás, considerada por ele mais underground, neste período. E o seu regresso, como era de se esperar, acontece cheio de significado: adaptando Shakespeare, comemorando os 20 anos da Cia. Teatro ao Quadrado e abrindo oficialmente a 23ª edição do Porto Verão Alegre.
O Inverno do Nosso Descontentamento – Nosso Ricardo III, que conta com atuações de Marcelo Ádams e Margarida Peixoto (a dupla da Cia. Teatro ao Quadrado), terá sessões desta quinta (13) a domingo (16), sempre às 21h, no Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Av. Independência, 75), em Porto Alegre. Os ingressos estão à venda exclusivamente no site do Porto Verão Alegre e, para acessar ao espetáculo, o festival exige o passaporte vacinal e um documento de identidade na entrada, com o objetivo de garantir a segurança do público e dos artistas.
Estas medidas sanitárias foram fundamentais para que a adaptação da obra shakespeareana fosse apresentada ao público, uma vez que Alabarse acredita que a presença da plateia é pré-requisito. Por isso, o espetáculo foi discutido sem pressa entre o diretor, Ádams e Margarida, até que chegasse o momento certo de levá-lo aos palcos.
— Para mim, o teatro é presencial, pede a troca entre elenco, montagem e público. Então, é especial para nós estrearmos olhando a plateia no olho. Acho que essa é a mágica, a característica mais especial do teatro: a troca. E, por tudo isso, a gente está trabalhando muito. Foi uma peça muito detalhada e vem imbuída de ótimo fluidos, de toda uma energia muito boa. É uma alegria sedenta de voltar em pleno verão com essa peça — pontua Alabarse.
Ádams compartilha desta mesma visão sobre ter o público presente, uma vez que acredita que, no teatro, a presença física não pode ser substituída por telas. Ele lembra que, desde tempos remotos, os espetáculos sempre foram uma "experiência única" que se dá entre pessoas que ocupam um mesmo espaço físico, no palco e na plateia.
— Não é possível alcançar a mesma experiência virtualmente. Por isso, apostamos no retorno aos teatros, com as medidas necessárias para nos protegermos da pandemia, para que todos nos sintamos seguros e confiantes nesse encontro fundamental — ressalta o ator.
Atualidade
"O inverno do nosso descontentamento" são as primeiras palavras ditas por Ricardo no texto de Shakespeare e, por isso, foram escolhidos para dar título à adaptação comandada por Alabarse. Porém, o espetáculo ainda conta com um subtítulo, Nosso Ricardo III. E é neste detalhe que mora a visão do diretor: a peça não trata apenas do personagem shakespeariano. O vilão, ao passar dos séculos, multiplicou-se em vários nomes, que compactuaram com seus ideais tiranos, sanguinários e genocidas. E estas vozes estarão na peça.
— Me interessa, enquanto cidadão, hoje, refletir a atualidade do mundo, os regimes políticos, os golpes contra a democracia. Isso tudo não é preciso inventar. A gente vai em um texto que tem 500 anos e vê que tudo que parece ser característico dos dias de hoje repete-se historicamente, com nomes diferentes, mas é sempre assim: a vontade de clamar por liberdade — diz Alabarse, destacando que a sua apresentação, mesmo que adaptada do século 16, é um espelho da sociedade atual, com a carga humana que foi agregada com o passar dos tempos.
Por sua vez, Ádams diz que a máxima de que nada se cria, tudo se transforma, é "apenas parcialmente correta". Ele acredita que ao transformar, cria-se algo novo. De acordo com o ator, ao se apropriar de um texto inglês escrito no século 16, não houve apenas uma adaptação ao século 21, mas também um profundo trabalho de lapidação e dilapidação dramatúrgica, tomando decisões criativas em relação ao material consagrado.
— A primeira coisa que nos saltou aos olhos quando nos voltamos para essa peça foi a incrível atualidade das discussões políticas e éticas trazidas por ele. Ricardo existiu de fato, foi rei da Inglaterra no fim da Idade Média, mas suas atitudes e pensamentos de horror se encaixam perfeitamente nas estruturas das máquinas de matar que observamos, especialmente, nos séculos 20 e 21 — destaca o ator.
Então, quem for conferir o espetáculo encontrará, além da amizade de longa data entre Alabarse e o casal responsável pelo premiado grupo teatral, um cenário recheado de objetos cirúrgicos e hospitalares jogados em um lixão aleatório. O motivo: reforçar de maneira brutal todas as doenças físicas e psíquicas do personagem e também refletir sobre a atual situação do mundo. Nele, há pestes e epidemias dizimando sociedades enquanto, segundo os criadores, líderes políticos agem sem escrúpulos para manter seus poderes.
— O teatro tem a chama do sagrado. E eu sinto isso mesmo. Eu não faço teatro por outro motivo a não ser para tentar me conectar com o sagrado, que é algo desconhecido, imponderável, mas que pode iluminar a experiência humana. E é importante enfatizar a força de quem faz teatro em Porto Alegre. Esses artistas, para mim, são mensageiros das boas novas, que é do que a gente tem que tentar se alimentar nestes tempos difíceis, teimosos, duros — finaliza Alabarse.
Porto Verão Alegre 2022
- Com o slogan "Bem-vindo de volta", o Porto Verão Alegre celebra, neste ano, o retorno presencial do público, após uma edição anterior totalmente virtual
- Para esta 23ª edição, estão confirmados 62 espetáculos
- Os ingressos para o evento, que começa nesta quinta-feira (13) e vai até 19 de fevereiro, são vendidos exclusivamente pelo site portoveraoalegre.com.br, com valores entre R$ 50 e R$ 70, variando conforme a sala de espetáculo
- É obrigatória a apresentação do passaporte vacinal e de um documento de identidade para acessar as atrações
- Acompanhe a programação completa em portoveraoalegre.com.br