Da união de dois grupos de teatro do Rio Grande do Sul nasce uma obra para questionar a loucura e a institucionalização da violência contra a mulher. Em Classe Cordial, Deborah Finocchiaro, uma das expoentes do teatro gaúcho, interpreta uma figura feminina enclausurada em um manicômio.
A produção estreou nesta segunda-feira (23), no YouTube do Coletivo Nômade de Teatro e Pesquisa Cênica, que se juntou à Companhia de Solos & Bem Acompanhados para criar a peça de videoteatro.
O resultado da parceria, viabilizada por meio da Lei Aldir Blanc, é um trabalho de tom e assunto sombrios, mas, conforme Deborah, necessários. A atriz conta que o processo de criação de personagem foi complexo e que a fez relembrar uma experiência dos seus 18 anos quando, ao contar para uma familiar que via sombras ao acordar, mas não conseguia se mexer, recebeu a recomendação de ir a um psiquiatra, pois aquilo era uma "loucura".
— Dependendo do contexto em que você está, pode ser considerada louca, pode ser tolhida, pode ser estuprada. Em relação ao meu trabalho, achei bacana, mas fiquei mareada. É muito forte — confessa a atriz.
Apoiada em estudos sobre manicômios, a obra aborda o tratamento historicamente dado àqueles que foram para estes locais para, teoricamente, receber atendimento médico para seus distúrbios psicológicos. Contudo, explica Deborah, a pretensão em alguns casos era simplesmente abafar pessoas "desconfortáveis à sociedade".
Arquétipo
No início do vídeo, é exposto um trecho do documentário Em Nome da Razão, do cineasta Helvécio Ratton, que relata as condições insalubres dos pacientes do Hospital Colônia, em Barbacena, Minas Gerais. Registros dão conta de que ao menos 60 mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças, morreram naquele hospital psiquiátrico.
Comentando sua interpretação, Deborah diz que a figura apresentada não é um personagem, mas um arquétipo, voz de muitos casos. No seu processo de estudo para a atuação, ela acabou criando uma história para o papel: a mulher apresentada foi, em verdade, abusada sexualmente por seu padrasto durante anos e, ao contar o caso para a mãe, foi jogada no manicômio.
— Tem muito a ver com essa coisa das pessoas invisíveis que não interessam à sociedade naquele momento. São daquelas crueldades que estão no nosso dia a dia e que não queremos olhar — explica ela.
A ideia é que o videoteatro vire também uma peça presencial, mas em um segundo momento. Enquanto isso, Deborah reforça neste trabalho o slogan que utiliza em seu outro projeto, Confessionário — Relatos de Casa, que trata da violência doméstica e sexual: não podemos mais fingir que estes problemas não existem.