Está em cartaz em Porto Alegre até o dia 24 de novembro a primeira montagem brasileira de uma peça da dramaturga indiana contemporânea Manjula Padmanabhan. Dirigida por Matheus Melchionna, Em Chamas tem sessões de sexta a domingo, às 20h30min, no Teatro Renascença. A descoberta da obra dessa autora partiu da tradutora Manoela Wolff, que já havia trabalhado com Melchionna em A Cadeia Alimentar, em 2015, peça do norte-americano Nicky Silver. Em sua dissertação de mestrado sobre tradução de dramaturgia contemporânea em língua inglesa, defendida em 2017 na PUCRS, Manoela dedicou um estudo à obra de Manjula. A peça em foco era outra, Lights Out (1984), mas foi daí que surgiu a ideia de montar Hidden Fires and Other Monologues (2003), que virou Em Chamas na encenação gaúcha.
As cinco cenas da peça são baseadas em um acontecimento traumático da história da Índia moderna, sem que o episódio seja explicitamente citado: depois que 60 hindus morreram em um incêndio em um trem no estado de Gujarat, em 2002, multidões em busca de vingança mataram entre 1 mil e 2 mil muçulmanos – dependendo da fonte. O governador de Gujarat na época era o nacionalista hindu Narendra Modi, hoje em seu segundo mandato como primeiro-ministro da Índia.
— Nas conversas que tivemos com Manjula pela internet, ela relatou que nunca se pôde referenciar os conflitos no teatro porque há censura por parte do governo da Índia. Mas falou que os indianos que assistem a encenações desses monólogos imediatamente pensam nas revoltas de Gujarat — explica Melchionna.
A montagem gaúcha respeita essa decisão e tampouco procura situar a ação em determinado lugar, embora haja alusões a situações de tensão na América do Sul, no Iêmen e no Iraque. O sentido principal é mostrar que as guerras geralmente são travadas entre grupos que se consideram muito diferentes, mas no fundo são mais iguais do que imaginam – são todos humanos.
Vela
É disso que trata o prólogo do espetáculo, interpretado pelos quatro atores – Lauro Fagundes, Gabriela Greco, Luiz Manoel e Denizeli Cardoso –, eles também diversos na igualdade por serem representantes de diferentes gerações. Gabriela e Denizeli são nomes conhecidos da cena gaúcha; Fagundes e Manoel são talentos que têm conquistado admiração por seus trabalhos. A partir de um paralelo entre a chama de uma vela e o país – qualquer país –, a sequência inicial trata do que nos torna seres humanos: corpo, pensamentos, ideias, esperanças.
Em outra cena, independente da primeira, Lauro Fagundes interpreta um homem segregacionista que relata sua luta contra pessoas que supostamente ameaçam os valores de seu país, mas aos poucos revela como ele mesmo passou a ser objeto de ódio de seus companheiros. Gabriela Greco, na terceira parte, interpreta a apresentadora de um programa de televisão que recebe relatos de acontecimentos brutais, provocando um questionamento sobre a forma como a mídia retrata a realidade.
Em seu monólogo, Luiz Manoel é o mestre de cerimônias de um jogo voraz em que a plateia tem de adivinhar uma palavra, mas, a cada chute errado de letra, algo terrível acontece – trata-se de uma plateia imaginária, pois o espetáculo não tem interação com os espectadores. E Denizeli Cardoso faz uma invocação aos deuses da democracia no último monólogo, em uma livre recriação de uma tradição hindu.
Se os espetáculos de companhias teatrais permitem ver a evolução de um trabalho continuado, um elenco constituído especialmente para uma produção, como Em Chamas, também tem um encanto próprio ao colocar lado a lado talentos que ainda não haviam atuado juntos. Afinal, o teatro também pode ser comparado à chama de uma vela.
Em Chamas
De sextas a domingos, às 20h30min. Até 24 de novembro.
Teatro Renascença (Av. Erico Verissimo, 307), em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 40, à venda na hora, no local. Antecipados a R$ 20 na Loja Sirius (Rua da República, 304) e a R$ 24,90 no site tcheofertas.com.br. Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante.