Um dos mais importantes escritores brasileiros de origem indígena hoje é o Daniel Munduruku. Escreve basicamente para crianças e jovens. Ele enfatiza que prefere que digamos "indígenas", e não índios, palavra que carrega forte peso histórico, como outras que pareciam triviais até ontem como "mulato".
Como ele, há um conjunto de escritores que, nos últimos 40 anos, assumiu até no nome sua ascendência ameríndia (outra palavra que entrou em circulação com o mérito de lembrar que, para os nativos do continente, que aqui estavam milênios antes da chegada dos europeus, as fronteiras nacionais recentes — essas com uns 200 anos de vida, apenas — têm peso muito diverso, fraco para a alma, pesado demais para a vida diária). Uma doutoranda da PUC, Julie Dorrico, pesquisa justamente essa especial modalidade literária, que traz para a letra escrita algo da intensa e diversa vida espiritual ameríndia, que é sonhada e falada muito antes de haver, por exemplo, o livro.
Pensadores indígenas há duas figuras de proa, uma delas no palco do São Pedro, em Porto Alegre, nesta quinta-feira (19) à noite. A verve de Ailton Krenak pode ser conhecida em dois livros correntes: Ideias para Adiar o Fim do Mundo (Cia. das Letras), um manifesto cujo nome não poderia ser mais preciso e necessário, não apenas para os nativos da América, mas para o mundo todo. Na coleção Encontros (editora Azougue) há um volume dedicado a ele, contendo uma porção de entrevistas esclarecedoras.
Mais impressionante ainda será a leitura de A Queda do Céu — Palavras de um Xamã Yanomami (Cia. das Letras), livro escrito pelo antropólogo francês Bruce Albert, mas na primeira pessoa, vocalizando no papel a palavra de Davi Kopenawa. Uma empreitada literária de impressionante vigor e impactante leitura.
Para entender o tema de fora para dentro, desde nossa visada ocidental até dentro da vida indígena, é incontornável conhecer Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo. Dele, há um volume da mesma coleção Encontros, com entrevistas que dão a ver e entender sua magnífica formulação acerca do "perspectivismo ameríndio", modo de ver e de estar no mundo que parte do pressuposto de que não são apenas os humanos que detêm ponto de vista neste mundo debaixo do céu. Seu livro mais sofisticado é Metafísicas Canibais (Ubu Editora), que procura o plano filosófico da formulação de suas ideias.
E um outro livro sensacional, agora sobre a literatura (tanto a indianista quanto a indígena) é Literatura da Floresta — Textos Amazônicos e Cultura Latino-americana, de Lúcia Sá (editora da UERJ). Manejando a etnografia e a literatura, a autora lê quatro grandes tradições ameríndias com origem amazônica (caribe, tukano/maku, tupi-guarani e arauaque) a partir do paradigma da literatura comparada, cotejando as tradições orais originais e as realizações letradas concebidas sobre elas.
E nunca esquecer um antropólogo gaúcho, Jorge Pozzobon, falecido precocemente, um saudoso amigo, vale muito conhecer Vocês, Brancos, Não Têm Alma (Azougue), uma joia literária e antropológica, com relatos pessoais compondo um romance de formação heterodoxo e trágico.