Por Arthur de Faria *
Escrever música para cena – seja cinema, seja teatro, seja dança – é o que eu mais gosto de fazer e, ao que parece, menos mal faço.
Por outro lado, trabalhar além do risco, forçar o limite, estender a corda é o que, no fundo, sempre me interessou.
Acho que veio do cruzamento disso o encontro com o Felipe, no meio do caminho das nossas vidas, em 2009.
Trabalhar com o Felipe é saber que tu não vai conseguir dar truque, tu nunca vai deitar nos louros e o conforto nunca será um possibilidade. Em nove anos, fizemos dois filmes – Insolação e Severina (trilhas que você pode ouvir nos tocadores de música digital) – e nove espetáculos: oito peças dele, um show meu. Em todos, absolutamente todos, fui além do que achei que poderia ir.
E tenho um amor especial por essa A Tragédia e Comédia Latino-Americana (em cartaz no 25º Porto Alegre Em Cena). Talvez porque seja, dentro da nossa bizarra ideia do isso seja, um "musical". Não que o pessoal saia cantando na chuva - mais bem seria "na tempestade". Mas é que havia ali, naqueles textos, muita música latente que só foi preciso concretar... Tanto a que escrevi – e nisso, tive desde uma HQ de Marcelo Quintanilha, um poema do argentino J.R. Wilcock, um canto canibal tupinambá registrado pelo Montaigne até um conto de Dôra Limeira – quanto a música que improvisamos, Ultralíricos Arkestra e eu, no entorno de tanta maravilha que nos pegava pela mão, explodia a cabeça e nos atirava (e segue atirando) ao chão.
E aí, no mundo além da composição escrita, há a importância de se ter consigo dois grandes compositores/improvisadores (que pensam o improviso coletivo como composição, e não batalha de virtuose): minha irmã-em-Arrigo Mariá Portugal (bateria e percussão de orquestra) e meu velho companheiro Adolfo Almeida Jr (fagote) – a cena do poema de Gerardo Arana em duo de Julia Lemmertz e Adolfo é sempre uma hora em que se enchem de água os olhos da nossa Arkestrinha.
Nesses momentos de voar juntos, atores e músicos, vamos Pedro Sodré e sua guitarra de texturas e eu, ao piano, construindo uma música que, depois de tantas centenas de horas de trabalho em tantos espetáculos, já tem sua cara. E isso me dá uma alegria do mesmo tamanho da que nasce da música que escrevo, nota a nota, para que eles a toquem.
Por fim, há que se registrar a importância, num espetáculo desse tamanho, de dois artistas de quem quase ninguém lembra. O "cara do som", que na nossa companhia sempre teve o status de membro da banda – no início éramos apenas ele e eu fazendo juntos a música, no palco –: Gustavo Breier.
E a preparadora vocal. Não escrevo música fácil de ser cantada. Temos um elenco incrível, de atores. Não são cantores de profissão. Quem fez com que eles realizassem tão bem coisas que no fim parecem fáceis se chama Simone Rasslam, cantora, pianista, grande artista. Esse espetáculo só seria possível com ela.
No mais, é esperar sempre, a cada noite, que a gente consiga dar pras pessoas mais uma experiência daquelas pelas quais não se passa incólume. Isso é muito. Mas isso, sempre achei, é o mínimo.
* Arthur de Faria é diretor musical e arranjador de A Tragédia e Comédia Latino-americana, em cartaz nesta quinta (13) e sexta (14), às 21h, no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), com ingressos entre R$ 20 e R$ 80, dentro do 25º Porto Alegre Em Cena