Antonio Fagundes traz a Porto Alegre a comédia Baixa Terapia desta sexta (3) a domingo (5) no Theatro São Pedro. O espetáculo coloca em cena três casais que têm de resolver seus problemas sem a presença da terapeuta. Também estão no elenco Mara Carvalho, Alexandra Martins, Ilana Kaplan, Fábio Espósito e Bruno Fagundes. Leia abaixo, na íntegra, a entrevista que o ator concedeu a GaúchaZH por telefone.
Baixa Terapia tem seis atores em cena. O processo de criação também foi uma espécie de terapia para o elenco?
(Risos) Não precisamos fazer terapia porque o texto tem uma dramaturgia muito bem elaborada. O Matías Del Federico e o Daniel Veronese estudaram muito todos os temas que levantam no espetáculo. Você sabe que a Argentina é o país da terapia? Todo mundo lá faz ou entende muito de terapia. Então, um argentino que escreve um texto sobre isso tem estofo. Foi só seguir à risca o texto, o que deu certo.
Trata-se de um texto escrito por um dramaturgo argentino, Matías Del Federico. É muito comum no Brasil olharmos mais para a produção cultural da Europa e dos Estados Unidos. Qual a importância de se voltar para a produção dos nossos vizinhos sul-americanos?
É uma falha nossa bastante grave. Não só pela proximidade geográfica, mas pela proximidade cultural mesmo. Além dessa proximidade, temos em Baixa Terapia um texto de qualidade universal. É de uma atualidade fantástica e está sendo montado atualmente em mais de 20 países. Com muito sucesso e sem nenhum tipo de adaptação. Porque realmente foram muito sábios na colocação dos problemas que levantam durante o espetáculo.
O fato de esses personagens terem de acertar as contas sem uma mediadora pode nos dar a esperança de que podemos nos entender na vida real nesse mundo de polarização?
A ideia é essa, mas não é à toa que a peça é chamada de Baixa Terapia, porque a lavação de roupa ali é bastante grande (risos). Você pode imaginar o que é a reunião de três casais discutindo os problemas uns dos outros.
O que mais lhe interessou no texto de Matías Del Federico, que você assistiu em uma montagem em Buenos Aires?
Primeiro, morri de rir durante o espetáculo inteiro. É um espetáculo que, além de propor uma situação por si só muito engraçada – o fato de os três casais terem que se virar sozinhos na terapia –, tem piadas pontuais muito fortes. A peça tem um final que tem surpreendido os 150 mil espectadores que já tivemos – e me surpreendeu também quando vi pela primeira vez em Buenos Aires. Imediatamente quis comprar o texto porque sabia que tínhamos na mão uma obra-prima.
Como tem sido o retorno do público? Ele se identifica com os personagens?
Outro dia, de brincadeira, elencamos no camarim pelo menos 25 temas importantes que a peça levanta no seu decorrer, de forma hilariante. Você não escapa mesmo. A identificação é plena da parte do público, que tem se divertido muito com o espetáculo nesse tempo todo. Já estamos há quase um ano e meio em cartaz. Acabamos de voltar de uma pequena turnê pelos Estados Unidos. Fizemos Orlando, Boston e Miami. E agora vamos continuar uma viagem pelo Brasil. Já fomos a mais de 15 cidades e vamos fazer mais 15 até o fim de setembro. De setembro até o fim do ano, vamos fazer uma longa excursão por Portugal. E ainda voltamos em 2019 para São Paulo.
Ainda temos um público bastante grande e interessado no teatro.
ANTONIO FAGUNDES
Ator
Fazer teatro no Brasil é sempre um risco?
O teatro no Brasil sempre enfrentou inúmeras dificuldades, principalmente na parte da formação de público. Ainda continua vivo porque temos uma série de batalhadores que não vão deixar isso morrer. Mas está na mão mesmo dessas pessoas, porque vemos um total descaso de qualquer tipo de governo com a cultura no Brasil. Então, é difícil sim, mas ainda temos um público bastante grande e interessado. Ainda temos a quem nos dirigir, haja visto o sucesso que Baixa Terapia vem fazendo. Ainda acho que é possível formar um novo público, embora com dificuldade.
A pesquisadora Rosangela Patriota vai lançar na semana que vem o livro Antonio Fagundes no Palco da História: Um Ator (Perspectiva). Você chegou a ler?
A Rosangela é uma historiadora fantástica, já tem uma obra bastante grande abordando temas teatrais. Já fez estudos sobre Vianinha, Fernando Peixoto e o teatro no Brasil. Então, sinto-me honrado de ter sido tema das pesquisas dela. Li o livro, sim, é fascinante. Ela contextualiza o teatro brasileiro tomando como norte peças da minha carreira. É um trabalho que vai ajudar muitos a entender o que está acontecendo com a gente.
Você participou do Teatro de Arena, com Augusto Boal, que teve importante papel na resistência à ditadura. Você acredita que a população brasileira ainda sobre os efeitos da ditadura em matéria de educação e hábitos culturais?
Com certeza. Nesse sentido, a ditadura foi "eficiente". Conseguiu eliminar completamente os nossos anseios na área da educação e, naturalmente, a cultura sofre com isso. Educação é propagação de cultura. A gente viu esse período de 21 anos destruir qualquer coisa que pudéssemos estar formando. De lá para cá, esse panorama não mudou nem um pouco. Tem se aprofundado cada vez mais a miséria educacional.
Tem se aprofun-dado cada vez mais a miséria educacio-nal.
ANTONIO FAGUNDES
Ator
A Companhia Estável de Repertório, nos anos 1980, marcou a história do teatro moderno. Um dos recursos que vocês utilizavam era a pesquisa de público. Como fazer hoje essa mediação entre os desejos dos artistas e as vontades do público?
Na verdade, temos que nos comunicar. O trabalho da gente não é só artístico, é de comunicação também. Mas você só se comunica com pessoas que entendem mais ou menos o que você está fazendo. Em Baixa Terapia, e também em outros espetáculos que venho fazendo desde a Cia. Estável de Repertório, eu abri ensaios desde o primeiro dia de leitura. Na primeira vez que o elenco se reuniu para começar a estudar o texto, já tínhamos mais de cem pessoas na plateia, e mais de 800 pessoas acompanharam todo o nosso processo de criação até a estreia. Isso naturalmente foi muito bom para o público, porque é uma coisa raríssima poder acompanhar a criação de um espetáculo, principalmente numa companhia profissional. Mas para nós também acabou sendo interessante porque em uma comédia é muito importante aprender a incorporar o público como mais um personagem no ritmo do espetáculo. Temos sentido que o público aprecia essa troca e necessita dela, porque não temos onde informar as pessoas do processo teatral. Além disso, fazemos também visita aos bastidores e bate-papo com a plateia após o espetáculo. A ideia é trazer essas pessoas que ainda estão interessadas em assistir teatro para dento do palco mesmo.
Você começou no teatro ainda criança, fazendo a peça A Ceia dos Cardeais, de Júlio Dantas, em 1963. É importante sensibilizarmos as pessoas para o teatro desde cedo?
Claro. Acabei de vir dos Estados Unidos, onde assisti a um espetáculo, (o musical) Hamilton, e fiquei impressionado, porque um terço da plateia era de crianças com menos de sete anos de idade. Você vê as crianças sentadinhas na plateia, com os pais do lado, comportando-se muito bem. E é um espetáculo de três horas de duração. Claro que isso vai interferir positivamente na formação dessa criança, claro que vai criar um hábito positivo na vida dessa pessoinha. Quando ela for maior, vai tentar fazer uma peça de teatro, vai entender quais são as dificuldades, vai saber reconhecer quando vê um bom espetáculo. Não temos nada disso no Brasil.
Como estão seus próximos projetos, como a série da Globo Se Eu Fechar os Olhos Agora, baseada no livro do Edney Silvestre, prevista para 2019, e o filme Contra a Parede, produzido e estrelado por você?
Está tendo um monte de coisa junto. Nosso espetáculo em Porto Alegre, o lançamento do livro... O filme vai ser dia 11 de agosto. É a primeira produção minha em cinema. Fiz nos mesmos moldes em que produzo teatro: não temos nenhuma lei de incentivo, é produção própria. Vai ser apresentado no Supercine no sábado, dia 11 de agosto, na Globo. Realmente terminei de fazer Se Eu Fechar os Olhos Agora, mas parece que vai entrar na grade de 2019, se não me engano no começo do ano.