Jorge Furtado não quer que a história se repita. No final dos anos 1960, o governo militar centralizou a censura em Brasília e radicalizou na proibição de peças de teatro, músicas e outras manifestações culturais. O diretor e roteirista, que assinou filmes como o curta Ilha das Flores (1989) e o longa O Homem que Copiava (2003), teme que as restrições às artes voltem a ser banais. Por isso, promove nesta terça-feira (29), às 20h, no Instituto Goethe, em Porto Alegre, a leitura de seu primeiro roteiro de teatro adulto. Mais do que isso. Para o autor, o evento será um “ato político”:
— Na adolescência, fui a Buenos Aires de ônibus para assistir a Laranja Mecânica (filme de Stanley Kubrick) porque estava proibido no Brasil. Era um momento com muitos filmes e livros censurados. Até há pouco tempo, a gente achava que a censura havia sido superada, mas infelizmente está voltando. Houve o fechamento da exposição Queermuseu e outros episódios parecidos. Isso me motivou a escrever. Podemos discutir política, ter opiniões contraditórias, mas ninguém pode aceitar a censura. É um elogio à burrice.
A peça Meus Lábios se Mexem foi escrita por Furtado a partir de uma história contada a ele pela atriz Fernanda Montenegro, quando a dirigia na série Doce de Mãe (2014). Em 1967, Fernanda fez parte do elenco de Volta ao Lar, do britânico Harold Pinter, com tradução de Millôr Fernandes, dirigida e produzida por Fernando Torres (1927 – 2008), marido de Fernanda, com grande sucesso no Rio. Em 1968, antes de levar o espetáculo para São Paulo, Torres e o ator e diretor Ziembinski (1908 – 1978) foram chamados para uma reunião com Solange Hernandes, funcionária do Departamento de Censura da Polícia Federal. Dona Solange propunha 65 cortes para que o texto fosse liberado. Não houve acordo, e a peça foi proibida. A trama não tratava da situação política brasileira – o problema foram os palavrões.
Texto foi pensado para o palco
A peça iria estrear em São Paulo em 29 de março de 1968. Na véspera, o estudante Edson Luis foi assassinado por policiais militares no restaurante Calabouço, no Rio. A morte foi o estopim para um ano de intensas mobilizações contra o regime militar, que endureceu com o decreto do AI-5, em 13 de dezembro:
— A censura, que era regional, passou para Brasília, e foi ficando cada vez pior. Era uma coisa muito aleatória. Ninguém sabia exatamente o que podia ou não fazer — diz Furtado.
Meus Lábios se Mexem mistura comédia e drama para tratar do encontro de Torres e Ziembinski com a censura. A leitura desta terça-feira (29) terá a participação de Nelson Diniz, Mirna Spritzer, Zé Adão Barbosa, Janaína Kremer, Sérgio Lulkin e Denis Gosch. Ainda não há previsão para montagem, mas o ator e diretor Lázaro Ramos já manifestou interesse de encenar o texto de Furtado no Rio e na Bahia – Ramos dirigiu a primeira leitura do roteiro no Rio, em março, com Daniel Filho, Drica Moraes, Vladimir Brichta, George Sauma e Marcelo Flores.
— Escrevi a história pensando em uma peça. Já havia escrito teatro infantil antes, com Pedro Malazarte e a Arara Gigante, mas essa é a primeira experiência adulta. Pode até render um filme, mas teria que pensar em como filmar uma história que se passa toda em uma sala. Talvez eu ainda faça um média-metragem a partir dela. Por enquanto, é ato do teatro contra a censura — define Furtado.
MEUS LÁBIOS SE MEXEM
Terça-feira (29), às 20h.
Instituto Goethe (24 de Outubro, 112), em Porto Alegre.
Entrada livre com contribuição espontânea – senhas serão distribuídas a partir das 19h.
O espetáculo: leitura teatral da primeira peça adulta escrita por Jorge Furtado, seguida de conversa com elenco e autor.