Se Gabriel Villela não tivesse sido aluno de Sábato Magaldi, talvez sua aclamada montagem de Boca de Ouro jamais chegasse ao Theatro São Pedro (Praça Mal. Deodoro, s/nº), onde será apresentada na sexta (18) e no sábado (19), às 21h, e no domingo, às 18h. Foi na sala de aula da USP, na década de 1980, que o mineiro entrou em contato com os 17 textos de Nelson Rodrigues que, segundo ele, integram "um conjunto de peças que você tem que ter na estante para a vida toda". Mas foi durante uma temporada de trabalho no Rio de Janeiro que o detentor do maior número de prêmios Shell já conquistados por um diretor (10), famoso por sua atuação no Grupo Galpão, decidiu pela história do assassinato do megalomaníaco bicheiro que trocou seus dentes por uma dentadura de ouro.
– O Boca de Ouro é um personagem que, mitologicamente, retrata muito a alma carioca, o espírito suburbano, mas, de alguma maneira, explica muito o Rio de Janeiro. Quando o Rio começou com essa autodestruição social, eu tive a percepção de que aquilo estava na iminência de um coma, para não dizer de uma intervenção, que no fim acabou acontecendo.
Para sua terceira montagem de Nelson, Villela pretendia repetir a parceria iniciada com Marcello Antony em 2009, com Vestido de Noiva, e reforçada em 2012, em Macbeth. Mas no meio do caminho tinha uma novela. E foi assim que entrou em cena o manauara Malvino Salvador, dando vida ao Drácula de Madureira, que tem sua história contada por meio de três depoimentos dados por sua ex-amante ao repórter Caveirinha, inspirado em personagens das redações em que o próprio Nelson trabalhou como jornalista.
– O engraçado é que a energia dele (Malvino) não é carioca, é uma energia do mato, da grande experiência que é nascer no centro da floresta amazônica. Os orixás que o acompanham são de lá, não são do subúrbio carioca. Mas, ao mesmo tempo, ele tem toda uma vida no Rio de Janeiro, então consegue acessar esses padrões universais que o carioca tem – explica Villela.
Por meio de uma linguagem melodramática pautada na ideia da imaginação e influenciada pela religiosidade barroca típica de seu Estado natal, Villela revisita a narrativa pirandelliana, retratando um Brasil em suas mais diversas facetas, da simbologia do candomblé à necessidade de levar vantagem em cima dos outros, passando por influências como o filme Rashomon, do cineasta japonês Akira Kurosawa. Tudo isso alinhavado por 14 canções interpretadas por Mariana Elisabetsky, dando o clima das grandes estrelas da Rádio Nacional e trazendo uma narrativa conclusiva sobre a peça, cujo elenco também conta com nomes como Mel Lisboa, Claudio Fontana e Lavínia Pannunzio. E chamando a atenção para uma das maiores preocupações contemporâneas: as fake news.
– Minha grande preocupação é a juventude, que tem esse hormônio, essa libido, essa força para modificar. E ela precisa sentir o futuro, as perspectivas, os horizontes, senão morre. Se continuarmos matando a juventude como se está matando, literalmente, nas ruas, não tem país que aguente. A minha fé está na moçada – reflete Villela.
BOCA DE OURO
Espetáculo inspirado na peça escrita por Nelson Rodrigues. Direção: Gabriela Villela. Com Malvino Salvador e Mel Lisboa.
Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n°). Ingressos a R$ 50 (galeria), R$ 100 (camarote lateral), R$ 120 (camarote central) e R$ 130 (cadeiras extras e plateia) no local ou via teatrosaopedro.com.br.
Sexta (18) e sábado (19), às 21h, e domingo, às 18h.