Entre Robert de Niro e Leonardo DiCaprio, uma mulher se sobressai sutilmente. É Lily Gladstone, a primeira indígena nativo-americana a ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz e também a primeira a ganhar um Globo de Ouro em 81 anos de história de premiação.
Personagem-chave de Assassinos da Lua das Flores, mais recente filme de Martin Scorsese que retrata a sorrateira dizimação da tribo Osage pelos brancos americanos no início da década de 1920, ela imprime à trama o sofrimento, a solidão e a força da mulher indígena.
Por que rasteira dizimação? A tribo Osage tornou-se rica ao descobrir que a terra onde viviam, em Oaklahoma, centro-oeste dos Estados Unidos, era uma farta reserva de petróleo. Isso levou os brancos a uma conspiração para se aproximarem dos indígenas, em um aparente convívio amigável, mas que servia para tirar-lhes o dinheiro e a vida.
É nesse episódio real, registrado no livro homônimo do jornalista David Grann, que o filme de Scorsese se baseia. Há algo ainda mais escabroso: alguns homens brancos casavam-se com as indígenas para ficarem com suas fortunas. Em alguns casos, matavam-nas.
A personagem de Lily Gladstone revive a história de terror —mas real — da indígena Mollie Burkhart, que casou-se com um branco que fazia parte da conspiração para assassinar indígenas. Ernest Burkhart é interpretado por Leonardo DiCaprio, um homem acostumado às farras, trapaças e a ter uma conduta inadequada para ganhar dinheiro. De personalidade rude e submissa, ele faz qualquer coisa que o tio mandar — esse, sim, poderoso e manipulador, interpretado por Robert de Niro.
Sem saber que levou o inimigo para dentro de casa, Mollie assiste os integrantes da tribo Osage serem assassinados um por um, das mais diversas formas, inclusive suas irmãs, todas mantendo relacionamentos com homens brancos. Ernest, embora ciente dos planos do tio de conquistar todas as riquezas dos Osage, parece ter verdadeira afeição por Mollie e pela família que formaram, com direito a três filhos.
Com uma feição complacente, exibindo uma nesga de sorriso no canto do rosto e um olhar profundo, Lily Gladstone dá vida à uma mulher indígena que parece estar cega para a ligação do marido e do tio com os crimes que estão acontecendo. Mas é ela que, mesmo acometida por uma doença misteriosa que a deixa de cama, procura ajuda das autoridades para que investiguem a mortandade de sua tribo.
Lily Gladstone tem 37 anos e é natural da reserva Blackfeet, no estado de Montana, nos Estados Unidos. Seu pai é indígena, enquanto sua mãe é branca. Começou a criar afeição pelo teatro e pelo cinema na infância. Mudou-se com a família para Seattle, onde passou a estudar atuação, a fazer testes para produções independentes.
Em vez de se mudar para Nova York ou Los Angeles, como os que desejam a fama, ela seguiu estudando atuação em Montana. Atuou no filme independente Certas Mulheres (2016) e Fancy Dance (2023), este ainda não disponível no Brasil.
— Acho que as pessoas torcem por pessoas que vêm da base e têm esse momento de palco global, esse sonho se tornando realidade. Isso é algo que desejo a todos em algum momento de suas vidas, em qualquer forma que assuma, e também aos povos indígena — disse ela, em entrevista ao New York Times.
Ela é a primeira indígena nativo-americana a ser indicada à estatueta de melhor atriz no Oscar, mas há outras indígenas antes dela na história da maior premiação da indústria cinematográfica.
A indígena mexicana Yalitza Aparicio, de Roma (2018), dirigido por Alfonso Cuáron, também foi indicada, mas quem levou a estatueta foi Olivia Colman.