— Bah! Tu estas aí, tchê? Mas que beleza! Terra boa, eu gosto demais.
Foi assim que Tony Ramos reagiu ao saber que a reportagem de GZH falava com ele diretamente de Porto Alegre, por videoconferência. O artista, logo na arrancada da conversa, recordou com carinho da sua experiência ao fazer os programetes Rio Grande do Sul, um Século de História, em parceria com o saudoso Paulo José, para a RBS TV, no fim do século passado. Ele ainda destacou que deu vida ao são-borjense Getúlio Vargas no filme que leva o nome do ex-presidente, de 2014.
— Preciso conhecer São Borja. Conheço muitas, muitas, muitas cidades do Rio Grande do Sul, mas São Borja ainda não. E fiz Getúlio, olha que curioso. Tenho que ir lá e conhecer também o museu dele.
Tony Ramos, durante toda a conversa, é cordial, demonstrando interesse por cada palavra de cada pergunta feita a ele. Um apaixonado por sua profissão e com extremo respeito às pessoas, ele sempre carrega humildade em suas respostas. Tanto é que, ao falar de seu novo filme, 45 do Segundo Tempo, que chega aos cinemas nacionais nesta quinta-feira (18), o ator destaca, primeiro, o trabalho dos outros, ao explicar como consegue o espectador rir e chorar de uma cena para a outra:
— Isso já estava no texto. O roteiro é muito bem escrito, de muita profundidade. Quando li pela primeira vez, me emocionei muito e, em seguida, eu estava rindo às gargalhadas.
No longa-metragem, que é dirigido por Luiz Villaça, Tony dá vida a Pedro Baresi, um descendente de italianos que assume o restaurante da família. Solitário e endividado, ele tem apenas a companhia da sua cadelinha Calabresa, já bem idosa. Ao ser convidado para recriar uma foto tirada em 1974, ao lado de seus antigos amigos de escola, Ivan (Cássio Gabus Mendes) e Mariano (Ary França), ele decide em seguida que pretende tirar a própria vida — assim que o Palmeiras, seu time de coração, for campeão.
Ele, então, se reaproxima dos seus parceiros de décadas atrás, comunica a decisão de se matar e, ao lado deles, resolve reviver aquele que foi o seu grande momento: a juventude e o reencontro com aquela que foi a musa de todos, Soninha (Louise Cardoso). A partir disso, o trio passa por uma jornada de crises existenciais, reflexões sobre o envelhecimento e, além disso, deve lidar com as consequências dos caminhos que cada um tomou ao longo dos anos.
Enquanto Pedro é o dono de um restaurante falido, Ivan virou um advogado de sucesso, porém distante da família, e Mariano se tornou padre, mas que está descrente até mesmo de Deus e quer conhecer os prazeres da carne. E todas estas personas singulares têm espaço para brilhar, colocando os seus dilemas no centro da trama e contando com a amizade para ajudar a, se não resolver, pelo menos entendê-los.
O tempo
45 do Segundo Tempo não quer inventar a roda. Porém, a sua história gira como uma e se encaixa através do tempo. O roteiro, de Villaça em parceria com Leonardo Moreira, Rafael Gomes e Luna Grimberg, foi escrito bem antes da pandemia — por sinal, o próprio filme foi rodado antes: as gravações ocorreram há quatro anos. Porém, ele segue atual. Na verdade, talvez mais atual do que se tivesse sido lançado como previsto.
A história aborda assuntos que estão na pauta dos dias atuais, como explica Villaça:
— A gente vai entendendo o tempo das coisas. Filmamos em 2018 e estávamos prontos para lançar em 2020, acaba que vem a pandemia. Eu não esperava, mas a gente vem em um momento que, por exemplo, o personagem do Cássio foi às Diretas Já, virou advogado e, hoje, a gente está discutindo a democracia. Tem toda essa discussão em cima da religião, dos padres. Tem a crise de vender o almoço para pagar o jantar, os comércios fechando.
O diretor e roteirista ainda compara que a questão de reencontrar os amigos depois de tempos se encaixa justamente neste cenário em que muitas pessoas ficaram confinadas em casa durante a pandemia.
— Acho que é um momento em que o filme chega falando: "Amigo, acorda, abre o olho, olha para os lados e percebe a vida e percebe quem está do teu lado, liga para o teu amigo, dá um beijo na tua mulher, no teu companheiro" — enfatiza.
Multi-Tony
O trio protagonista da história é de um talento ímpar. Mas vale ressaltar, também, a parceira de cena de Tony Ramos no começo da película: a vira-lata Calabresa. É de um monólogo do personagem Pedro com a cachorrinha que sai um dos momentos mais emocionantes do longa — e o ator conta que teve todo um preparo antes com o bichinho, se familiarizando com ela, trocando cheiros, até o grande momento — que foi feito de primeira, a pedido do artista, que já sabia que conseguiria realizar uma grande cena:
— Durante os ensaios, a gente ficava ali junto, nos familiarizando, e eu dizia para ela: "Vamos fazer uma boa cena". E, quando a gente começou a conversar ali, parecia que estava acontecendo o diálogo com outro ser humano. Foi um momento muito bonito, confesso a você. Aquela cena, quando terminou, os colegas técnicos começaram a aplaudir. Esse filme é um momento muito importante na minha vida.
Tony faz de seu Pedro Baresi um descendente de italianos estridente, enérgico e com várias expressões do país europeu em seu vocabulário. O ator, além disso, vive um palmeirense roxo na produção, enquanto, na verdade, torce para o rival São Paulo. Mas este é um desafio pequeno para Tony, que já teve que interpretar personagens das mais diversas origens: grego, cubano, norte-americano, indiano, italiano e até mesmo o gaúcho Getúlio Vargas.
— É com muita disciplina e atenção. Quando você vai fazer um personagem que tenha outra nacionalidade, você tem que se escorar com profunda atenção nas nuances de cada personagem — explica, destacando que teve aulas para dar vida aos personagens estrangeiros. — Além disso, é dedicação e observações da vida. Daí, vai nascendo as personagens, como o Pedro Baresi.
Talentos
Para Cássio Gabus Mendes e Ary França, o longa funciona tão bem, conseguindo arrancar lágrimas e risadas, ao mesmo tempo em que tem a questão do futebol por trás, devido ao roteiro bem elaborado. A dupla, que na entrevista demonstrava que a amizade saiu do set — ambos, inclusive, seguravam bonequinhos de seus personagens, que ganharam do diretor —, destacou que 45 do Segundo Tempo é um dos trabalhos mais especiais que já fizeram.
— Trabalhando com essa intimidade que a gente teve ali, eu aprendi muito — aponta Gabus Mendes. — Seja de contato, de roteiro, de direção, com os meus companheiros ao meu lado. Fazer esse filme, que celebra a amizade, foi um momento muito especial para mim como ator e como gente. Me traz alegria e orgulho muito grande.
França reforça:
— Eu tive colegas incríveis que eu nunca tive. Sério mesmo. E tem um mistério na coisa: química você pode prever, mas não se pode planejar. Você pode torcer, mas não pode prever. E a nossa química foi incrível. Isso não tem explicação. Essa química me mostrou que ninguém precisa disputar nada. Que o segredo do filme está no coração, na generosidade, na atenção, no carinho.
Ao ser perguntado sobre a diferença de idade dos atores — Gabus Mendes tem 60; França, 65; e Tony, 73 —, sendo que os três interpretam ex-colegas de escola, ou seja, os personagens regulam de idade, Villaça respondeu que sequer pensou neste detalhe. A única preocupação dele era se o trio iria funcionar bem em cena. E, isto, inegavelmente, aconteceu. Afinal, a amizade não está nem aí para diferença de idade.