A Marvel segue despejando uma enxurrada de produções para os seus fãs, sem dar espaço para que eles sequer tenham tempo de pensar sobre elas. É uma atrás da outra. Se não no cinema, é no streaming, com suas séries para o Disney+ — e a mais recente delas é Mulher-Hulk: Defensora de Heróis, que estreia nesta quinta-feira (18) pisando forte na comédia e tentando ser uma válvula de escape do status quo da Casa das Ideias na televisão.
A nova série do Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês) conta com nove episódios semanais de 30 minutos e acompanha a trajetória da advogada Jennifer Walters (Tatiana Maslany), que acaba se contaminando com radiação gama através de seu primo Vingador Bruce Banner (Mark Ruffalo) e, tal qual o seu parente, acaba se tornando uma Hulk. O primeiro ponto que chama atenção é que, apesar da história ter um arco principal de fundo, os episódios são mais independentes entre si, largando a fórmula "filme dividido em episódios" que vinha sendo adotada em todas as produções live-action do Disney+.
Apesar de contar com super-heróis — o próprio Hulk, Wong (Benedict Wong), Demolidor (Charlie Cox) —, a série não foca na ação. Não quer dizer, entretanto, que não tenha pancadaria.
Nos quatro episódios disponibilizados para a reportagem de GZH pela Disney, houve momentos em que a Mulher-Hulk precisou usar a sua força, mas o primordial da atração é ser uma série de tribunal. E quem diz isso é a própria protagonista, que quebra a quarta parede para situar o espectador.
Vale destacar que esta é a primeira vez que a Marvel Studios se utiliza de tal artifício com um de seus personagens. "Ah, mas o Deadpool...", você deve estar pensando, e a resposta é: não, o Deadpool não fazia parte do MCU quando os seus dois filmes foram lançados. E a quebra da quarta parede na série, apesar de nova no universo cinematográfico, nos quadrinhos da Mulher-Hulk é comum e vem de décadas, mostrando que a heroína já vem sendo inovadora há bastante tempo.
Mulheres
Apesar de criada pelo roteirista Stan Lee e pelo desenhista John Buscema em 1980, a Mulher-Hulk chegou à TV e, consequentemente, está sendo apresentada para o grande público pelas mãos de mulheres. E todas elas com vasta experiência no formato. A série foi criada por Jessica Gao, que tem carreira prestigiada como roteirista, escrevendo episódios de programas como Silicon Valley e Rick and Morty, e teve a direção de seus episódios dividida entre Kat Coiro (Disque Amiga para Matar) e Anu Valia (Eu Nunca...).
Além do trio que atua com competência por trás das câmeras, Tatiana Maslany (vencedora do Emmy por Orphan Black) dá vida a Jen de maneira impecável. A atriz, que já provou o seu talento em produções dramáticas, agora se revela uma estrela da comédia. Ela consegue se sair muito bem na hora das piadas — que quase nunca são exageradas — e, principalmente, quando é preciso conversar diretamente com o público, fazendo isso de maneira divertida, com sacadas ácidas e criando uma intimidade totalmente nova neste universo de superseres. E tudo isso com muito carisma.
Interessante, ainda, o cuidado com que as mulheres contam essa história. Desde Jen não querendo deixar a vida que ela tinha para se tornar uma super-heroína, passando por mostrar como o corpo da mulher é julgado e objetificado, até ao tecer críticas totalmente dentro do contexto ao citar o controle emocional que é necessário para que elas vivam em uma sociedade machista. Exemplo é quando Bruce Banner/Hulk diz para a prima que ela precisa aprender a controlar a raiva e o medo e recebe como resposta:
— Isso é o básico de qualquer mulher que está só existindo.
Na sequência, ela ainda reflete sobre os abusos que as mulheres sofrem diariamente, como assovios na rua e mansplaining, e destaca que se não se controlar, será chamada de emotiva, de difícil e, se não for o suficiente, ainda pode ser morta. Simplesmente por não conseguir controlar os seus sentimentos.
Talvez por isso, por ser forjada no sofrimento que toda mulher passa apenas por existir, ela se saia tão melhor do que o seu primo na questão de conseguir controlar a sua transformação e poder ser uma Hulk que não sai por aí esmagando tudo, destruindo cidades e sendo uma fera indomável. Como a própria diz: é uma versão melhorada. Apesar disso, ela ainda critica que até a sua existência tem que ser derivativa — Hulk/Mulher-Hulk.
(D)efeitos
Sim, a série tem muitos pontos positivos. Principalmente, por conseguir entregar na medida a comédia no mundo dos super-heróis, com destaque para a zoeira sobre a possível virgindade do Capitão América. Ou seja, larga a bobice padrão da Marvel de sempre, com piadinhas de tiozão — que são engraçadas, claro, mas cansam. A questão de ser uma produção de tribunal também é um acréscimo muito relevante para o MCU, que abre as portas para novos formatos e rostos — vale lembrar que Mulher-Hulk é a terceira nova protagonista surgida do Disney+ este ano, logo após Cavaleiro da Lua e Ms. Marvel.
Mas, sim, tem o problema dos efeitos especiais, que não são tão ruins quanto o primeiro trailer da série mostrou, mas têm problemas. E o principal é a própria Mulher-Hulk. A sua criação em computação gráfica anda no limite do vale da estranheza e a artificialidade da personagem fica ainda mais evidente quando ela interage com os humanos e até mesmo com Hulk, que já teve o seu design criado com o orçamento pomposo dos filmes, vindo para a série com os traços e texturas mais bem finalizadas.
Por sorte, Jen aparece mais em sua forma humana do que como Mulher-Hulk, o que deixa Tatiana Maslany brilhar mais — é interessante ver o contraste entre a altura da atriz, de 1,63m, com a de sua versão transformada, com mais de dois metros de altura. Mas o mais legal da série é perceber que a força da sua protagonista está nos braços, mas, principalmente, em suas habilidades como advogada. Efeitos especiais à parte, é a história que faz deste programa um grande acerto no MCU e mostra que o seu futuro é promissor.