O que faz do Homem-Aranha um dos personagens das histórias em quadrinhos mais populares do planeta é a identificação que ele consegue criar com o grande público. O herói sempre foi reconhecido por ser um jovem comum, com problemas comuns, mas com grandes poderes — que, consequentemente, traziam grandes responsabilidades. Assim, o maior desafio de Peter Parker não era derrotar os vilões, mas conseguir esconder a sua identidade para proteger aqueles que ama. Para isso, precisava ter uma vida dupla, abdicando, muitas vezes, da felicidade para cumprir o seu destino.
Por isso, quando o personagem ganhou a sua terceira encarnação nos cinemas, dentro do Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês), com Tom Holland vestindo o uniforme, muitos fãs chiaram. O motivo? A "vida fácil" que o Amigão da Vizinhança estava tendo depois que foi "apadrinhado" por Tony Stark, conseguindo, inclusive, o seu uniforme graças ao Homem de Ferro. O público queria enxergar os conflitos que sempre acompanharam o herói, como os perrengues pela falta de dinheiro e os sacrifícios para fazer o que é certo.
Sobrou, então, para Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, o terceiro filme solo do herói dentro do MCU — vale lembrar que ele participou de outras três produções dentro do estúdio — a missão de fazer uma retcon, recolocando o herói em seu verdadeiro universo, que tem menos de viagens cósmicas e mais dificuldades para pagar o aluguel. A solução para isso foi olhando para o passado, buscando acertar as contas com o que deu errado e puxando para o futuro o que deu certo. E a possibilidade para isso se abriu juntamente com o multiverso na série Loki.
Consequências
Simplificando a terceira lei de Newton, fica-se estabelecido que, para cada ação, existe uma reação. E isto é bem marcado na primeira adaptação do herói nos cinemas, lançada em 2002 e estrelada por Tobey Maguire. Naquele filme, o personagem, ao não impedir que o bandido fuja, acaba perdendo o seu tio Ben. E, a partir disso, o herói passa a se dedicar para que outras pessoas não sejam mortas por falta de ação sua. É uma eterna busca para se redimir e, assim, tentar amenizar a sua dor. Algo parecido acontece na franquia protagonizada por Andrew Garfield.
Em Sem Volta para Casa, o Peter Parker de Tom Holland finalmente encontra as consequências de suas atitudes — vale lembrar que essa jornada começou no filme anterior, Longe de Casa, a partir do momento em que ele cede a tecnologia Stark para Mysterio (Jake Gyllenhaal). O vilão, então, antes de morrer, revela a identidade do herói para todo mundo. E, assim, as reações às decisões do personagem deixam as 2h30min de duração do longa-metragem com uma carga sombria que não foi vista antes na saga do Aracnídeo no MCU, mas sem deixar de colocar humor bem dosado durante a projeção.
Então, ao mesmo tempo que Peter vai encerrando o seu período no colegial, começando a mirar em uma vida na universidade, o roteiro escrito por Chris McKenna e Erik Sommers — dupla responsável pelas duas produções anteriores — vai colocando mais peso nos ombros do personagem e o desenvolvendo de uma maneira que não foi vista nos dois filmes anteriores. Enquanto todo o principal problema de Sem Volta para Casa acontece pelo egocentrismo do jovem inconsequente, a trajetória dele dentro da narrativa vai construindo um adulto que sabe que a solução requer decisões difíceis, algo que apenas um herói seria capaz de fazer.
Presente para os fãs
Escrever sobre Homem-Aranha: Sem Volta para Casa e não dar spoilers é uma missão quase tão difícil quanto a do herói de derrotar os vilões que emergiram de diversos universos distintos após o feitiço do Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) dar errado. Porém, é possível dizer que, em questão de live-action, o terceiro filme solo do herói é o mais ambicioso já feito para o cinema — a animação Homem-Aranha no Aranhaverso segue com o título no geral.
Independentemente de cumprir ou não todos os ousados desejos dos fãs, a produção se propõe a costurar não apenas todas as aventuras do personagem dentro do MCU, mas, também, outras duas franquias que aconteceram em épocas distintas — como mostram os vilões que aparecem nos trailers —, realizadas em um momento completamente diferente em questão de cinema. E faz isso com maestria, aproveitando-se dos conceitos já estabelecidos no seu próprio universo para explorar — e explicar — outros de maneira orgânica e convincente.
A direção do criticado Jon Watts, responsável por todos os capítulos da trilogia, entrega bons momentos, mas erra em outros tantos. Mesmo com produtos valiosíssimos em mãos e atores brilhantes (Willem Dafoe como Duende Verde é um show à parte), ele estraga, por falta de talento, grandes sequências de ação, ora deixando escuras demais, ora simplesmente entregando enquadramentos pobres. Faltou para o cineasta, além de ir buscar personagens e enredos das franquias antecessoras, pegar um pouco da inventividade de Sam Raimi ou do cuidado com o visual que Marc Webb ofereceu.
Apesar disso, o espetáculo consegue prevalecer. Durante a sessão de pré-estreia do longa-metragem — já que a Sony Pictures, inexplicavelmente, decidiu não realizar cabine de imprensa no Rio Grande do Sul — a empolgação do público com cada rosto conhecido que surgia na tela era como se fosse um gol da Seleção Brasileira na final de uma Copa do Mundo. Risos e lágrimas tomaram conta da sessão, que explodiu de entusiasmo com o terceiro ato espetacular, assim como o herói. Uma experiência única e, certamente, inesquecível para todos que amam o personagem.
E se hoje um filme antes inimaginável como Homem-Aranha: Sem Volta para Casa está nas salas de cinema ao redor do mundo, isso se deve ao fã. É por causa dele que os super-heróis dos quadrinhos existem. E também é por causa dele que estes personagens são as estrelas dos maiores fenômenos de bilheteria. Foi o fã que pediu, que apoiou, que brigou para que estes seres poderosos fossem adaptados com dignidade. Sendo assim, é mais do que justo que o fã seja recompensado por todo o seu esforço. E foi o que aconteceu com o novo filme do Amigão da Vizinhança, recheado de fan services, humor, drama e surpresas. Um presente digno.
Não deixe de se balançar até o cinema mais próximo. E, claro, não seja um vilão: nada de sair dando spoilers por aí!