Há pouco mais de uma década, as videolocadoras eram tão essenciais quanto assinar os serviços de streaming que estão em alta hoje em dia. Ir até um desses locais para alugar filmes no sábado e devolver na segunda-feira era um dos programas mais empolgantes para qualquer amante do cinema. Hoje, é claro, esses templos dedicados às produções audiovisuais praticamente viraram lendas, mas boa parte da experiência segue preservada na casa dos colecionadores de mídia física.
Há poucos meses, por exemplo, o anúncio de que Titanic seria relançado no Brasil em blu-ray gerou euforia nos grupos dedicados ao nicho nas redes sociais, que correram para reservar a sua edição — bem como na época das locadoras, lembra?. O mesmo ocorreu quando títulos considerados raros no país, como Ace Ventura, voltaram ao mercado. As vendas foram sucesso. Pelos títulos, parece uma viagem de volta aos anos 1990, mas em meio à era digital e da alta definição.
— Ir até a minha prateleira e pegar o filme que eu gosto para assistir me faz lembrar da época das locadoras. Isso me desperta uma memória afetiva muito grande, quando meus pais me deixavam alugar filmes como recompensa por ter feito as minhas tarefas ou tirado boas notas — conta Tailan Dutra, que trabalha na Procuradoria da prefeitura de Santa Maria, é dono do canal no YouTube MovieBox e tem, em sua coleção, cerca de 1,5 mil filmes. E segue aumentando.
Para Luiza Loyola, expert do Futuro na WGSN, empresa especialista em tendências de comportamento e consumo, esse sentimento nostálgico que coleções deste tipo traz, adaptando hobbies e referências nostálgicas a um novo contexto, vão continuar atraindo consumidores que buscam conforto e familiaridade diante de um futuro incerto.
— Em uma época em que grande parte de nossa vida acontece online e as atividades digitais ocupam a maior parte do tempo, os colecionáveis são uma chance de interagir com objetos tangíveis — destaca Luiza.
Qualidade e segurança
Os streamings, ao mesmo tempo em que triunfam apostando na facilidade, disponibilizando filmes e séries a poucos cliques de distância, também trazem consigo uma fragmentação de conteúdo. Com uma grande variedade de novos serviços chegando ao mercado, os títulos estão sendo espalhados por plataformas distintas, o que gera uma "caçada" por parte do consumidor, que precisa assinar diversas plataformas de distribuição de mídia, caso os seus filmes favoritos sejam de estúdios distintos.
Além disso, ainda existe a volatilidade, ou seja, o entra e sai de produções dos catálogos dos serviços de streaming, devido aos contratos, que não garante que determinado título estará disponível quando o espectador quiser. E os colecionadores priorizam a segurança e a proximidade com as suas obras prediletas.
Dono de um acervo de 3.250 filmes, entre DVDs, blu-rays e 4K — mídia importada e que está começando a dar os primeiros passos no Brasil —, Juliano Vasconcellos, professor de Arquitetura na UFRGS e fundador do Blog do Jotacê, um dos veículos mais conhecidos pelos colecionadores no Brasil, garante que, além dos motivos já citados, possuir os títulos em mídia física em casa garante uma experiência mais aprofundada para os amantes do cinema:
— Para quem é fã, a mídia física traz muitos extras, como comentários dos diretores e bastidores, uma qualidade superior, por possuir um bitrate (número de bits transferidos ou processados por segundo) muito maior que o streaming e, além disso, é insubstituível ter na prateleira uma edição caprichada. É um pedaço da obra que está ali contigo, é fazer parte daquilo.
A incerteza de não ter o filme disponível quando quiser vê-lo, porém, não faz com que os amantes da mídia física repudiem as plataformas. Longe disso. Não é raro encontrar nos grupos dedicados à mídia física relatos de membros dizendo que assistiram ao mesmo filme que possuem na prateleira no streaming, como uma visita mais "informal". Eles destacam que uma coisa não substitui a outra, mas que elas se complementam.
"Somos de nicho, mas somos fortes"
De acordo com dados levantados pela consultoria norte-americana Nash Information Services, o ápice das vendas de DVD nos Estados Unidos aconteceu em 2005. Naquele ano, a mídia física faturou US$ 16,3 bilhões. Em 2020, o valor caiu para US$ 3,5 bilhões, segundo a Motion Picture Association (MPAA), entidade que representa a indústria cinematográfica no país. Os números seguem impressionantes, mas é perceptível o impacto que a popularização da internet causou para o mercado, que está cada vez mais nichado.
No Brasil, os DVDs e blu-rays praticamente sumiram das livrarias, que enfrentam uma forte crise, e das demais lojas físicas, que enxergam pouco custo-benefício em manter seus mostruários ocupados com estes produtos. Atualmente, elas estão fazendo saldão para liquidar os seus estoques. Este cenário causa a sensação de que essas mídias não existem mais — o velho "quem não é visto não é lembrado". Porém, o mercado segue resistindo — e buscando se expandir — justamente na internet, responsável por possibilitar a ascensão do streaming.
E é utilizando o espaço digital que as lojas do segmento estão conseguindo fazer negócio, conectando os colecionadores do país inteiro. Fábio Martins, dono da loja FamDVD e um dos fundadores da recentemente criada para dar tração ao mercado Associação Brasileira da Mídia Física (ABRAMF), é um dos mais engajados na missão de reaquecer as vendas no país. Foi por meio de uma iniciativa sua, no ano passado, que os blu-rays voltaram a ganhar espaço no Brasil, dando começo à chamada "festa do catálogo".
Ao batalhar pelo lançamento do terror A Bruxa no formato, o empresário viu as vendas serem um sucesso, e isso, segundo ele, fez com que as distribuidoras voltassem a enxergar um potencial por aqui. Tanto é que, em 2019, menos de 50 títulos foram lançados no país em blu-ray. No ano seguinte, foram quase 200. Em 2021, esta marca deve ser ultrapassada.
— O mercado aqui ainda é bom e estamos trabalhando para ele crescer mais. Na FamDVD, por exemplo, nos últimos dois meses, a cada 10 vendas, seis foram para clientes novos. Então, não faz sentido as distribuidoras abandonarem os colecionadores daqui, pois os valores arrecadados, por menores que sejam, vão ser lucro. Somos de nicho, mas somos fortes — comenta Martins.
A mente por trás da ABRAMF se refere, em sua fala, sobre a desistência da Disney de trazer mídia física para a América Latina, após o lançamento de seu streaming próprio. A empresa foi justamente uma das responsáveis por popularizar o colecionismo no país, na década de 1990, ainda na época do VHS, com suas animações, como Toy Story e O Rei Leão — as famosas fitas verdes. A saída da distribuidora do mercado foi um baque para os colecionadores, visto que o conglomerado é dono de grandes franquias, como Star Wars, Marvel e Pixar e que, com essa descontinuidade, ficarão incompletas nas prateleiras.
— Não adianta chorar. Vamos manter o mercado funcionando e mostrar que vale a pena investir em mídia física por aqui. Assim, acreditamos que as desistentes possam voltar atrás. Somos brasileiros e não desistimos nunca, né? — reforça Martins.
Para Juliano Vasconcellos, todo o esforço por parte dos colecionadores vale a pena:
— A mídia física está viva e ainda é a melhor opção para quem é fã de filmes. Vamos expandir a nossa comunidade e compartilhar esta experiência única que, além de uma melhor qualidade, remonta à infância. É como viajar no tempo.