Depois de meses de incerteza na indústria cinematográfica, Mulan — um dos blockbusters mais esperados no ano — estreou diretamente no serviço de streaming da Disney nos Estados Unidos. Por US$ 30, os assinantes podem assistir à superprodução de Niki Caro no conforto (e segurança) de suas casas, desde a madrugada desta sexta-feira (4).
A decisão da empresa de não levar o filme aos cinemas em alguns territórios, contudo, não foi bem aceita por todos. No início de agosto, o vídeo de um dono de cinema parisiense destruindo um cartaz do filme viravirou nas redes sociais. Ao site americano Deadline, Gerard Lemoine, protagonista da gravação, explicou sua frustração:
— Permanecer aberto neste momento é um grande esforço para a maioria de nós (donos de cinemas), mas estávamos assumindo que haveriam alguns lançamentos de filmes ambiciosos nas próximas semanas. Ao perder Mulan, perdemos a possibilidade de oferecer ao nosso público um filme tão esperado que teria nos ajudado após essas últimas semanas difíceis. Também é uma má mensagem para enviar ao público (que esperava um lançamento nos cinemas).
É preciso dizer, contudo, que com uma estratégia diametralmente oposta, o blockbuster Tenet também gerou polêmica com sua estreia exclusiva nas salas de cinema, em meio à pandemia e riscos de saúde ao público. O LA Times, por exemplo, publicou uma nota antes de sua crítica do longa-metragem alertando aos leitores sobre os problemas de frequentar salas de cinema neste momento.
Mas as críticas a Mulan não se resumem à estratégia da Disney em sua distribuição. Desde antes da produção chegar ao público, já havia desconfiança com a escolha da direção do longa. Foi escalada para o cargo Niki Caro, natural da Nova Zelândia, em vez de uma diretora de origem chinesa, mesmo a história sendo inspirada em uma das lendas da nação asiática.
A escolha da companhia reflete seu objetivo de criar um filme que apelasse tanto à audiência chinesa quanto à americana. O resultado, no entanto, acabou sendo questionável para alguns críticos. "Eu gostaria que o envolvimento do filme com a cultura chinesa fosse mais profundo do que essa camada superficial deslumbrante", afirmou Justin Chang da NPR.
"Não é surpreendente ouvir personagens chineses falando um inglês com sotaque, que é uma prática padrão para um blockbuster de Hollywood ambientado em um país asiático. Fiquei mais desapontado com a forma como o roteiro trata ideias culturais bastante intuitivas — sobre o chi de uma pessoa e a importância da honra da família — como se fossem conceitos estrangeiros difíceis que precisavam ser explicados repetidamente ao espectador", criticou.
Para Inkoo Kang, do Hollywood Reporter, o resultado de tentar criar um meio termo entre Oriente e Ocidente resultou em "um filme de comitê, criativamente melindroso e com ritmo enfadonho, que tem quatro roteiristas credenciados, uma série de clichês banais da Disney e uma falta de ressonância emocional enervante".
Na revista Variety, Peter Debruge foi menos rígido. Segundo ele, "o filme representa a adoção mais entusiástica de Hollywood das tropas do cinema asiático blockbuster desde a trilogia Matrix. Considerando que o Mulan anterior foi sem dúvida culpado de apropriação cultural — um caso kitsch de chinoiserie do final do século 20 a serviço da sensibilidade distintamente ocidental da Disney —, a versão de Caro quer nos convencer de que estamos assistindo a coisa real, como John Woo ou Chen Kaige poderia ter feito isso".
Apesar das ressalvas, Mulan parece ter um desempenho melhor em comparação a outros live-actions da Disney. Até a tarde desta sexta-feira (4), a produção mantinha uma aprovação de 81% dos críticos no site Rotten Tomatoes. É um valor semelhante ao de Cinderella de 2013 (84%), e maior do que as novas versões de O Rei Leão (52%), Aladdin (57%) e A Bela e a Fera (71%).