Em um lance inédito para o cinema brasileiro, Democracia em Vertigem, da mineira Petra Costa, foi anunciado como um dos cinco indicados a melhor documentário em longa-metragem no Oscar, o prêmio mais famoso do cinema.
Disponível na Netflix, Democracia em Vertigem é a narrativa pessoal da diretora sobre os eventos que levaram das manifestações de 2013 até a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Petra faz um paralelo entre sua própria história pessoal – é filha de militantes de esquerda na clandestinidade e neta de um dos fundadores de uma das maiores empreiteiras do Brasil – para mostrar as tensões políticas que levaram da insatisfação de junho à queda de Dilma Rousseff.
É um documentário com um lado assumido, concentrando-se de perto nas figuras de Lula e Dilma, um viés que se apresenta mesmo no texto com o qual a diretora comemorou sua indicação, uma postagem em seu perfil no Instagram:
“Estamos absolutamente emocionados e extasiados por nossos colegas terem reconhecido a urgência deste filme, e honrados por estarmos na companhia de documentários tão importantes. Numa época em que a extrema direita está se espalhando como uma epidemia, esperamos que esse filme possa nos ajudar a entender como é crucial proteger nossas democracias”, escreveu.
O Brasil já havia participado colateralmente da categoria melhor documentário em 2011, com Lixo Extraordinário, coprodução internacional sobre a vida do artista visual paulista Vik Muniz e que consta como realização britânica. Democracia em Vertigem é a primeira produção brasileira indicada na categoria. Um marco registrado na sequência de um ano em que o cinema nacional foi tema de debates, ganhou reconhecimento internacional e atraiu público, com exemplos como o próprio Democracia em Vertigem, Bacurau e A Vida Invisível.
— Essa indicação representa muito. Primeiro porque dá visibilidade ao cinema brasileiro em um momento difícil. Mostra que o cinema nacional existe e está sendo feito. Só nesse sentido já é ótimo, mas também tem o mérito de manter vivo um assunto que não se vinha discutindo, de tantos problemas que tivemos pós-2016. É interessante voltar a discussão sobre a palavra golpe, se foi ou não golpe. É importante a gente repensar o que aconteceu — comenta o diretor e roteirista Jorge Furtado.
Reações
A categoria documentário no Oscar costuma indicar obras sobre temas urgentes. Assim, a presença de um filme como Democracia em Vertigem (que em inglês ganhou o título The Edge of Democracy, ou “O Limite da Democracia”) não chega a ser surpresa, afirma o cineasta Gustavo Spolidoro:
— É curioso: o Oscar hoje parece ser um prêmio mais do cinema de autor americano do que da indústria. Não vencem tanto campeões de bilheteria, Moonlight ganhou há poucos anos. Mesmo quando concorreu Avatar, venceu Guerra ao Terror. E justamente por isso ele acaba sendo mais “progressista”, digamos, embora nos Estados Unidos seja mais complicado dizer isso. É natural que um filme como o da Petra consiga esse espaço.
A indicação provocou reações polarizadas. Em sua página oficial, o ex-presidente Lula, um dos personagens centrais da narrativa, cumprimentou a cineasta: “Parabéns, Petra Costa, pela seriedade com que narrou esse importante período de nossa história”. Já o secretário nacional da Cultura, Roberto Alvim, em entrevista à coluna da jornalista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, chamou o filme de “ficção” e declarou que a indicação “só mostra como a guerra cultural está sendo travada não só aqui, mas em âmbito internacional”.
Democracia em Vertigem concorre com dois filmes sobre os conflitos no Oriente Médio (The Cave e For Sama), um sobre o choque entre trabalhadores chineses e americanos em uma fábrica reaberta por uma companhia oriental nos EUA (Indústria Americana) e um sobre o modo de vida de uma “caçadora de abelhas” na Macedônia (Honeyland). Os vencedores serão revelados em uma cerimônia com transmissão televisiva em 9 de fevereiro.