Crianças devem ter sobre si uma rede de proteção impermeável a qualquer tipo de abuso ou violência. Mas como identificar indícios não evidentes de que essa zelosa barreira foi de alguma forma rompida? Essa questão que apavora mães, pais, guardiões e educadores responsáveis por jovens que não têm maturidade para avaliar o que é um carinho inocente e o que é carícia inapropriada está presente no filme Aos Teus Olhos, com previsão de estreia quinta-feira (12) nos cinemas.
Em seu segundo longa-metragem, depois de Boa Sorte (2014), a diretora carioca Carolina Jabor coloca o assombroso tema à luz de um debate muito contemporâneo: o julgamento precipitado e o justiçamento sumário nas redes sociais que tanto expõem a vítima quanto podem arruinar a vida de uma pessoa erroneamente acusada de cometer um crime.
Daniel de Oliveira vive o protagonista da trama, Rubens, professor de natação de um clube que se apresenta como um profissional muito querido por seus jovens alunos. É atencioso com os pequenos dentro e fora da piscina, vive tirando selfies com a turma, guarda fotos da garotada no celular. Com os ex-alunos já crescidos, interage nas redes sociais e até banca o conselheiro sentimental.
Rubens mostra atenção especial a Alex (Luís Felipe Melo), menino introvertido e arisco que teme as disputas com os colegas nas raias. A razão desse medo de competir provavelmente é o pai do garoto (Marco Ricca), tipo meio troglodita que acompanha as competições aos gritos, encara o filho com desprezo diante da derrota e tem um relacionamento beligerante com a ex-mulher, mãe de Alex.
Postos em cena esses elementos, Aos Teus Olhos acende o estopim da narrativa. Essa mãe diz que Alex lhe confidenciou que Rubens lhe deu um “beijo na boca”. Ela conta ao ex-marido e exige providências urgentes. Antes de qualquer conversa ou investigação, porém, faz a “denúncia” no grupo de pais no WhatsApp e parte com fúria ao tribunal do Facebook. A reação coletiva é a esperada. Vozes que sugerem ponderação diante da gravidade da denúncia e do histórico de Rubens no contato com as crianças são patroladas pelos gritos dos justiceiros. E, antes mesmo de o professor dar sua versão da história, a pichação em seu carro está marcada simbolicamente em sua testa: “pedófilo”.
O bom filme dinamarquês A Caça (2012), laureado internacionalmente e indicado ao Oscar em 2014, fez desse espinhoso tema seu motor dramático – com a história de professor acusado de molestar garotinha e que de cidadão exemplar vira um pária ameaçado de morte. Aos Teus Olhos tem matriz no palco: a peça O Princípio de Arquimedes, com texto escrito em 2011 pelo dramaturgo catalão Josep Maria Miró, já encenada no Brasil – originou um filme espanhol de 2015, El Virus de la Por.
A releitura de Carolina Jabor, com roteiro de Lucas Paraizo, faz bem em não entregar ao espectador um culpado ou inocente. O foco da diretora se dá sobre as complexas engrenagens que pautam essa discussão e que cada vez mais são expostas pública e precocemente à velocidade da banda larga: negligência de pais que fazem de professores anteparo afetivo das crianças, filhos usados como fiel da balança em litígios conjugais, o papel do adulto que se vale da imaturidade infantil – e das brechas abertas por essa negligência parental – para fazer contatos físico, virtual e emocional inapropriados e até mesmo criminosos.
Sob essa perspectiva, destaca o filme, condutas antes socialmente aceitáveis hoje são questionáveis. A chefe de Rubens no clube lembra que, anos atrás, tomava banho com suas alunas no vestiário, procedimento agora observado, diz ela, como um escândalo. Um abraço de conforto, um beijo carinhoso, uma conversa em local isolado para a criança se sentir mais segura no desabafo. São ações e reações que precisam ser bem avaliadas e rigorosamente observadas. Porque tão rápido quanto o alerta de perigo precisa ser acionado é o risco de acender o pavio para uma tragédia em que só se terá vítimas.
Aos Teus Olhos reforça sua intenção de não julgar iluminando em sua sóbria e enxuta construção dramatúrgica a correta atuação de Daniel de Oliveira na composição de um personagem ambíguo. A conduta de Rubens, seus comentários vistos sob diferentes contextos, sua reação à pressão, assim como a estrutura familiar em que vive Alex são peças de um processo a ser investigado sob rigor profissional, nunca sob o apressado nervosismo passional dos dedos no teclado.
Aos teu olhos
De Carolina Jabor
Drama, Brasil, 2017, 90min.
Estreia quinta-feira (12) nos cinemas.