Florence Green, viúva de meia-idade vivendo em um vilarejo costeiro da Inglaterra, no fim dos anos 1950, abre uma livraria na construção mais antiga do lugar, uma descuidada casa anterior ao século 18. O que poderia ser uma boa notícia logo a coloca inadvertidamente como uma inesperada “inimiga do povo”, e ela descobre que tentar lidar com literatura numa comunidade de mente arraigadamente tacanha é uma batalha perdida de antemão.
Interpretada com delicadeza e segurança pela ótima atriz inglesa Emily Mortimer, Florence é a protagonista de A Livraria, filme da diretora espanhola Isabel Coixet que adapta para o cinema o romance de mesmo nome da escritora inglesa Penelope Fitzgerald, autora cinco vezes finalista do Booker Prize.
O fato de que Florence montou uma livraria na casa mais antiga da vila desperta a inimizade imediata (mas muito educada, como convém à sociedade inglesa) de uma deslumbrada dama da aristocracia local que se vê como grande patrona da cultura e gostaria que um centro de artes ocupasse o mesmo prédio. Como Florence já está lá e não apenas tem uma livraria como mora nela, a poderosa Violet Gamart (Patricia Clarkson, em seu terceiro filme com a diretora) põe em ação sua considerável influência para justapor obstáculos à iniciativa de Florence. Uma batalha na qual a livreira terá pouquíssimos aliados, como a menina Christine, sua funcionária na loja (Honor Kneafsey), e o recluso porém respeitado Edmund Brundish, que vive em uma mansão arruinada vizinha à livraria (um ótimo Bill Nighy, cujas cenas com Emily Mortimer são o melhor e mais comovente do filme).
Autora de produções delicadas e lacônicas como Confissões de um Apaixonado (1996), Minha Vida sem Mim (2003) e A Vida Secreta das Palavras (2005), Isabel Coixet patina ao adaptar o romance de Penelope Fitzgerald. Talvez pelo mesmo motivo que já a havia feito tropeçar no esquecível Fatal, adaptação sem dentes de O Animal Agonizante, de Philip Roth. Cada qual a seu modo, as duas obras sustentam-se menos na trama e mais na voz narrativa de seus autores, ambos capazes de construir em tom preciso e profundo histórias cuja visão de mundo, no fim das contas, é extremamente cínica e desencantada, talvez desencantada demais para Coixet, que filma em planos clássicos e com ritmo irregular.
O resultado é que A Livraria parece vacilar sobre que tom assumir entre o humor seco e o drama – algo que a prosa de Fitzgerald equilibrava naturalmente – e ampara-se em uma narração em off ocasional e ainda assim redundante. Algumas mudanças no final também parecem feitas para fugir do gosto amargo que a conclusão do original de Fitzgerald deixa em seus leitores – justamente aquilo que torna o romance mais forte.