No momento em que os admiradores de Philip Roth ainda absorvem a notícia recente de sua aposentadoria, chega ao Brasil uma nova tradução de um de seus livros que melhor sintetizam suas qualidades como escritor.
Em O Professor do Desejo, Roth mergulha o leitor no intelecto e nas fragilidades de um jovem professor universitário, David Kepesh.
Embora não seja tão recorrente como Nathan Zuckerman, personagem presente em oito livros de Roth, Kepesh é a figura central de três obras do escritor (veja a lista abaixo). Publicado em 1977, O Professor de Desejo é o segundo episódio dessa trilogia, e já havia sido lançado no Brasil. Kepesh é um jovem intelectual presa de permanente inquietação que o leva a buscar experiências eróticas e a mergulhar em relacionamentos desastrosos.
Crescido no pós-guerra, filho de um casal judeu que mantém um hotel de temporada nas montanhas, ele próprio recorda sua história - em retrospecto, mas com os verbos no tempo presente, técnica responsável pela sedução e pela estranheza de uma narrativa que, ao mesmo tempo, relembra e avança. Criado em um cenário de tranquila domesticidade familiar, Kepesh sai de casa para a universidade e encontra, fora de seu protegido território da infância, um mundo de tentações a que não está preparado para resistir. Intelectual fascinado por Kafka e Tchekhov, Kepesh oscila entre a erudição interessada no impulso vital da grande arte e o vórtice de sensações ao qual é arrastado pelos seus impulsos sexuais. Como contraponto a essa história representativa de uma geração que amadureceu em plena revolução sexual, Roth oferece os pais do personagem, um casal pautado pelos valores anteriores de família - pessoas boas, mas incapazes de compreender as angústias do filho.
A nova tradução, de Jorio Dauster, ganha uma edição representativa da gradual mudança do status de Roth como escritor. A versão anterior, publicada pelo Círculo do Livro, trazia uma capa com um umbigo lascivo, aproveitando-se da fama de pornográfico que acompanhou os primeiros trabalhos do autor. Mas, ainda que o sexo como meio de interação com o mundo seja uma constante dos personagens de Roth, homens instruídos condenados a refletir incessantemente sobre suas permanentes inquietações eróticas, não é a excitação gratuita (marca do pornográfico) o objetivo de sua literatura. A linguagem flaubertiana com que Roth esmiúça a psique de Kepesh tem mais sucesso em provocar comiseração e riso do que tesão.
Relido agora, com a perspectiva do que o autor fez em obras tardias como Homem Comum, Fantasma Sai de Cena e no próprio O Animal Agonizante, que marca o retorno de Kepesh, O Professor de Desejo mostra-se a prova de uma perfeita unidade temática atravessando os livros de Roth ao longo do tempo. Mais do que um escritor do erotismo, ele é um autor do corpo - não é à toa que, na primeira aparição de Kepesh, ele se vê transformado em um seio gigante. Em Kepesh, e em outros livros protagonizados por Nathan Zuckerman na juventude, os impulsos do corpo estão sempre em conflito com a aparente dignidade do intelecto. Nos livros tardios, a mente lúcida dos mesmos tipos de protagonistas se vê traída pela inevitável falência física.
As três vidas de David Kepesh
The Breast
Na primeira narrativa protagonizada pelo personagem, Roth assume com voracidade sua dívida para com Franz Kafka na delirante comédia de um jovem professor universitário que acorda certo dia transformado em um seio gigantesco de 70 quilos. Com a volúpia narrativa que o tornou um dos maiores autores americanos, Roth investiga a fundo as consequências sensoriais de tão bizarra transformação. Sem edição recente no Brasil. (1972)
O Professor de Desejo
O segundo livro retoma Kepesh, desta vez para além do episódio kafkiano e em um recorte mais realista. Filho de um casal de judeus proprietários de um hotel nas montanhas, Kepesh é o exemplar típico do jovem intelectual americano da geração pós-guerra: obcecado pelo sexo e mais autocentrado e cercado de inseguranças do que seus pais. Alguns personagens retornam, mas a narrativa ignora completamente a "transformação" do livro anterior. (1977)
O Animal Agonizante
Roth encerra sua trilogia sobre Kepesh e ainda produz um dos grandes livros de sua fase tardia, mais centrada na finitude e na decadência do corpo. Morando sozinho, tendo casos eventuais com algumas de suas ex-alunas e com um relacionamento errático com um filho que o despreza, Kepesh sente o peso da velhice ao se apaixonar por uma jovem descendente de cubanos, cheia de viço e vida - é ela, contudo, quem se vê com uma doença terminal. (2001)