Há semanas se fala que a Disney, gigante corporativa do entretenimento que, além de seus próprios personagens criados por Walt Disney, também é dona das franquias Alien, Avatar, Star Wars e da empresa de quadrinhos Marvel, deve comprar a 21st Century Fox. As especulações da imprensa especializada em negócios falam em valores de US$ 60 bilhões. Embora seja uma transação corporativa com capacidade para afetar radicalmente o equilíbrio de forças da indústria de cinema, a eventual e possível compra dos estúdios Fox pela Disney interessa a fãs de quadrinhos da Marvel por um motivo mais singelo.
Se a transação for confirmada, dependendo dos termos ainda desconhecidos de um acordo que ainda não foi fechado, vários personagens importantes do universo Marvel, que hoje estão nas mãos da Fox, poderiam ser incorporados futuramente aos filmes já planejados da próxima fase de produções, realizando as aspirações nerds de muitos fãs que adorariam ver momentos clássicos dos quadrinhos no cinema, como uma reunião entre Quarteto Fantástico e Vingadores e um confronto brutal entre Wolverine e o Hulk.
Retornando um pouco no tempo para contextualizar a coisa: nos anos 1990, amargando uma situação financeira periclitante e precisando desesperadamente de caixa, a Marvel negociou com estúdios cinematográficos os direitos de filmagem de alguns dos seus personagens mais importantes e valorizados.
Homem Aranha, por exemplo, foi parar nas mãos da Sony. Já a Fox ficou com Quarteto Fantástico (os primeiros personagens criados por Stan Lee para a Marvel) e com os X-Men (o grupo mais popular dos quadrinhos dos anos 1990). Alguns desses acordos foram mais tarde renegociados, porque os estúdios responsáveis não tiveram sucesso em suas primeiras empreitadas com os personagens e não quiseram assumir novos riscos. Foi o caso do Hulk, renegociado pela Universal após o fracasso do longa dirigido por Ang Lee em 2005.
A Universal, contudo, ainda retém alguns direitos de distribuição de filmes solo do personagem — o que explica por que o gigante verde tem aparecido apenas como coadjuvante em filmes como os dois Vingadores e o recente Thor: Ragnarok, e não tem um filme só seu planejado para momento algum no futuro.
O tempo passou e, com as finanças menos problemáticas, a Marvel se tornou estúdio de cinema ela própria e deu início, em 2008, ao plano de seu "universo compartilhado", com os lançamentos quase simultâneos de Homem de Ferro, com Robert Downey Jr., e Hulk, com Edward Norton. Embora com algumas mudanças (como a compra pela própria Disney em 2009) e correções de rumo (como a substituição de Norton por Mark Ruffalo para viver o Hulk), a Marvel seguiu um plano de apresentar em filmes solo personagens que seriam unidos anos depois no blockbuster Vingadores, de 2012. Até por não ter nas mãos alguns dos personagens mais famosos, a empresa passou a explorar criaturas menos conhecidas de seu amplo catálogo, como Homem-Formiga, Doutor Estranho e o Pantera Negra.
A compra da Fox traria para esse bolo dois grandes conjuntos de personagens: O Quarteto Fantástico, uma família de aventureiros veterana de muitas histórias de exploração espacial, e os mutantes, ou seja, basicamente os X-Men e uma série de figuras correlatas. No caso do Quarteto Fantástico, isso representaria a possibilidade de incorporar vilões icônicos da editora, como Toupeira e Doutor Destino, e ameaças espaciais e de outras dimensões como o viajante no tempo Kang, o Conquistador, antagonistas que poderiam ser muito bem aproveitados em um universo de poucos vilões marcantes de fato. A vinda do Quarteto Fantástico também daria à Marvel a possibilidade de usar em seus filmes Galactus, um gigante que se alimenta da energia de planetas, e que seria uma nova ameaça de escala interplanetária para substituir o que Thanos representou até aqui. A Fox produziu três filmes com o Quarteto Fantástico, o último deles um reboot malfadado dirigido por Josh Trank em 2015 que tem nota 27 (de 100) no Metacritic, site que reúne notas de filmes dadas pela imprensa e pelo público. A Fox não parece ter vontade de voltar a esse filão tão cedo.
O caso dos X-Men seria mais complexo, dado que nos últimos anos a Fox vem usando o amplo universo dos mutantes para algumas experimentações responsáveis por boas coisas no universo dos quadrinhos nas telas. Logan, por exemplo, um faroeste crepuscular com um Wolverine idoso, bem conceituado por crítica e público, é uma dessas apostas. Outra foi Deadpool, uma comédia escrachada com um tom adulto e desbocado que passa longe de atmosfera mais "família" dos filmes da Marvel.
Na TV, a Fox emplacou também Legion, um programa estranho e elogiado sobre um mutante superpoderoso e esquizofrênico. O estúdio tem ainda na agenda, para o ano que vem, Novos Mutantes, cruzamento de uma história de super-heróis com produção de horror. Uma dúvida é que destino teriam todas essas produções no caso de a Fox passar para as mãos da Disney.
A venda poderia também representar mudanças para os próprios quadrinhos da editora, já que a Marvel, movida pela rivalidade corporativa, vem diminuindo consideravelmente em suas revistas o espaço de X-Men e Quarteto Fantástico justamente porque gibis desses personagens serviriam apenas para chamar público para os filmes em que outros estúdios teriam lucro.