Do seu catálogo de super-heróis nos cinemas, a Marvel já tem um núcleo terrestre bem estabelecido, promove flertes com divindades de outras dimensões e está ficando boa em explorar os confins da galáxia. Agora, a Casa das Ideias acrescenta uma nova camada ao seu universo cinematográfico: a magia.
Esse trabalho está a cargo de Doutor Estranho, longa que mostra a transformação do neurocirurgião que dá nome ao filme em um poderoso mago. Como isso ocorre ficou a cargo do diretor Scott Derrickson, que usou sua experiência em produções de terror (como O Exorcismo de Emily Rose e A Entidade) para dosar fantasia e realidade sem pesar a mão em nenhum dos dois.
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Então, temos um filme sobre feiticeiros que atravessam portais interdimensionais e distorcem a realidade como bem entendem, mas que correm para o hospital quando o talho ganho numa briga exige mais do que um band-aid. É uma dinâmica que já vinha sendo trabalhada pela Marvel em seus filmes anteriores e, com mais profundidade, nas séries da Netflix: humanos e super-humanos convivendo no mesmo espaço, mesmo que os primeiros não entendam muito bem os segundos.
Doutor Estranho (o filme e o personagem) está exatamente nesta divisão. Stephen Strange é um médico brilhante, mas arrogante e insensível (características que Benedict Cumberbatch, que vive o protagonista, conhece bem do seu Sherlock Holmes, da série Sherlock). Mas um acidente e o fracasso da medicina ocidental o levam a procurar ajuda alternativa nos confins do Nepal, onde acaba topando com um grupo de feiticeiros. Lá, o cético doutor é convencido de que sua cura só será possível pela travessia das portas da percepção – abertas na porrada pela Anciã (brilhantemente interpretada por Tilda Swinton).
Começa então a jornada do herói típica de qualquer filme de apresentação de personagem, com Strange comendo o pão que o diabo amassou para rever seus conceitos e transformar-se no mago de capa esvoaçante. Cumberbatch faz bem essa transição, acrescentando humanidade e indulgência ao neurocirurgião sem deixar de lado sua personalidade sardônica.
O rito de passagem, claro, toma o filme todo, deixando qualquer outra discussão em segundo plano. Um debate se os fins justificam os meios, por exemplo, chega a ser esboçado, mas perde força diante da necessidade de parir o Doutor Estranho de uma vez. Boa parte das quase duas horas de filme é dedicada às engenhosas batalhas entre feiticeiros – em um dos melhores usos de efeitos visuais já bancados pela Marvel. Poderiam, talvez, ter investido em vilões melhores (o feiticeiro desgarrado de Mads Mikkelsen é genérico demais, assim como a entidade à que ele serve).
Ao final, fica em suspenso que lugar o mago irá ocupar no universo cinematográfico da Marvel. Uma das cenas pós-crédito dá alguma pista, mas nada definitivo. De qualquer forma, Doutor Estranho é uma excelente matinê. E, por hora, não dá para esperar nada melhor.
*ZERO HORA