Sou fã de Sofia Coppola. As Virgens Suicidas é uma história feminina de desespero adolescente filmada com grande força dramática. Maria Antonieta é uma narrativa sobre o poder de adaptação dos seres humanos, realizada com bom-humor e belas doses de pós-modernidade. Um lugar qualquer é uma fábula sobre o mundo efêmero do cinema e das celebridades em confronto com o mundo eterno das relações parentais. Sofia Coppola não é apenas uma cineasta talentosa. Ela sabe encontrar histórias conectadas ao imaginário contemporâneo, dialogando com ele sob seu ponto de vista único e pessoal. Enfim, é uma cineasta do primeiro time.
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Por isso, assistir a O Estranho que Nós Amamos é uma experiência bem decepcionante. Em primeiro lugar, porque não é uma história feminina. É uma história masculina narrada com um tom feminista bem rasteiro. O verdadeiro feminismo contemporâneo é muito mais sofisticado que ficar acusando os homens de nunca resistir a seu indomável desejo sexual. O personagem vivido por Colin Farrell é uma versão infantilizada de O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson. Doce e gentil quando está fragilizado pelo seu ferimento, torna-se um completo idiota, sensual e agressivo, quando consegue sair da cama. Seu rumo? A cama de uma mulher. Qualquer mulher. Para completar o enredo moralizante, é claro, ele será devidamente castigado.
Para nós, gaúchos, O Estranho que Nós Amamos ainda tem um inevitável gosto de café requentado. A trama lembra muito A Casa das Sete Mulheres, tanto no original de Letícia Wierzchowski, quanto na sua encarnação televisiva: numa grande residência rural, isolada do mundo por uma guerra civil, um grupo de mulheres tenta manter seu cotidiano "feminino" apesar da violência dos homens. Tudo bem, a base do filme de Coppola é outro livro (de Thomas Cullinan) e outro filme (de Don Siegel), mas o que se espera de uma boa adaptação é uma releitura criativa do enredo original, e não a sua adequação a um agenda política previamente determinada, por mais relevante que ela seja.
O Estranho que Nós Amamos, com sua fotografia "desmaiada", que pasteuriza as boas interpretações do elenco feminino, é um aborrecido clichê feminista.