Um dos filmes mais aguardados do ano, Dunkirk (2017) chega finalmente aos cinemas brasileiros recompensando a espera: a superprodução de guerra dirigida por Christopher Nolan é ainda melhor do que poderia supor qualquer fã entusiasmado do realizador de Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) e Interestelar (2014). Dunkirk é efetivamente um dos maiores filmes do gênero já rodados, cuja escala grandiosa do episódio histórico que emoldura a trama não asfixia as tragédias individuais de seus personagens. Ao contrário: o espetacular e o íntimo combinam-se na tela com harmonia e eloquência raras, sensibilizando corações e mentes com a dignidade de um comovente réquiem de guerra.
O longa que estreia na Capital é ambientado durante a Batalha de Dunquerque – a versão nacional manteve o título original em inglês –, entre maio e junho de 1940, quando cerca de 400 mil soldados aliados ficaram encurralados pelas tropas alemãs no nordeste da França entre a terra e o mar. Na iminência de serem massacrados, britânicos e franceses torcem por um resgate marítimo da Inglaterra – que, se vier e conseguir escapar do bloqueio inimigo, não deverá ser suficiente para salvar todos.
Dunkirk concentra-se em três núcleos dramáticos, que dão a dimensão humana de uma das passagens mais cruentas da II Guerra Mundial: por terra, o acaso reúne dois jovens combatentes (Fionn Whitehead e Aneurin Barnard) na briga pela sobrevivência; por água, um veterano marinheiro (Mark Rylance, ganhador do Oscar de coadjuvante por Ponte dos Espiões) parte da costa inglesa com o filho e um ajudante, atendendo à conclamação para que barcos civis auxiliem na evacuação dos homens do outro lado do canal – e salva no meio do caminho um militar naufragado e traumatizado (Cillian Murphy); por ar, um piloto inglês (Tom Hardy) lidera um grupo de caças que tenta evitar os ataques dos aviões alemães a embarcações e tropas. O elenco inclui ainda outros nomes conhecidos, como o ator shakespeariano Kenneth Branagh, no papel de um almirante britânico, e o cantor Harry Styles, integrante da boy band inglesa One Direction – o astro pop é uma boa revelação interpretando um soldado.
Filme alia superespetáculo com drama intimista
Ainda que não possua a estrutura complexa dos roteiros de Amnésia (2000) e A Origem (2010), o filme repete o talento do diretor e roteirista Christopher Nolan para criar enredos engenhosos: os três focos narrativos de Dunkirk desenvolvem-se em distintos arcos temporais – uma semana, um dia e uma hora –, que gradativamente vão convergindo para um clímax simultâneo. Curiosamente, quase não aparece sangue em cena, muito menos membros decepados ou vísceras expostas, referências comuns nesse tipo de produção. Nem por isso Dunkirk é menos impactante visualmente: as recorrentes sequências de bombardeios e de afundamentos de navios, filmadas com um admirável virtuosismo técnico, são ilustrativas do horror e da violência arbitrária da guerra. A eletrizante trilha minimalista de Hans Zimmer – que insiste, por exemplo, nos temas em ostinato no violino, à maneira do clássico Psicose (1960) –, combinada com a sonoplastia atordoante, contribui para que o público fique vidrado na tela do primeiro ao último minuto.
A excepcionalidade de Dunkirk, porém, não está na pirotecnia de som e imagem: sua força reside na humanidade dos conflitos de seus protagonistas, figuras comuns pinçadas quase que aleatoriamente em meio à multidão de almas expectantes por salvação. Atos de bravura e solidariedade andam de braços dados com egoísmos e covardias – grandeza e pequenez concorrem na mesma medida para esboçar com verossimilhança os diferentes caracteres de pessoas expostas a uma realidade embrutecedora. De quebra, o inglês Nolan parece traçar um paralelo com a atualidade ao mostrar a divisão entre oficiais e soldados britânicos quanto a ajudar ou deixar para trás os franceses – um dilema que faz lembrar do recente debate quanto à saída da Grã-Bretanha da União Europeia, conhecida como "Brexit".
Se a guerra é sempre por princípio uma derrota, Dunkirk lembra que a fortaleza moral e o respeito à vida são as únicas armas capazes de vencer alguma batalha dessa luta inglória.