Por Hélio Fervenza
Artista visual, doutor em Artes Plásticas (Sorbonne), professor na UFRGS e na Universidade da República do Uruguai
O ponto de partida das obras de Richard John é sempre um material visual já existente, já processado culturalmente e carregado de memória e história. Ele copia essas imagens, que são os modelos para as suas obras, tendo um especial apreço por pintar e desenhar a partir de impressos. Interessam-lhe as revistas de grande circulação, as enciclopédias, os álbuns de figurinha, os cartazes, os livros infantis, as fotos de identidade 3x4, os rótulos de embalagem. Esse material impulsiona sua reflexão artística e é oriundo sobretudo das décadas de 1950, 60 ou 70.
Na exposição Desenhos Miméticos, no V744 Atelier, o artista nos apresenta trabalhos produzidos em anos recentes que se articulam a partir do universo acima referido. Assim, as imagens que compõem os oito dípticos com desenhos intitulados Originais para Reprodução nº 1 provêm do caderno de colorir para crianças Lluvia de Colores, publicado na Argentina nos anos 1950. O artista fotografa uma página, projeta sua imagem ampliada sobre uma folha de papel e copia manualmente os desenhos ali existentes. Finalizada a cópia, ele a fotografa e a projeta sobre outra folha em branco, copiando os desenhos uma segunda vez. Na exposição, os dois desenhos são mostrados lado a lado. Ao passarmos os olhos de um desenho para o outro, observamos as sutis (e perturbadoras) diferenças que essas cópias manuais possuem. Elas fazem com que o impresso volte a sua forma original de desenho.
Os oito desenhos coloridos a óleo intitulados Originais para Reprodução nº 2 são oriundos do mesmo caderno de colorir. Desta vez, os desenhos de cada página são copiados uma única vez, e as grossas linhas são apenas contornadas com uma linha mais fina, deixando seu interior esvaziado. Depois, Richard preencheu as zonas para colorir, tentando evitar que as cores ultrapassassem as finas linhas de contorno. Revela-se o embate com uma forma que é também uma fôrma.
Nesses dois conjuntos de obras, o artista usa guache branco para a retificação dos erros, o que faz com que sejam mais enfatizados do que apagados. Poderíamos pensar que estamos próximos do pensamento do narrador do conto Josefina, a Cantora, de Kafka, que, ao refletir sobre um gesto corriqueiro como o de quebrar nozes ou assobiar, diz que esses gestos seriam melhor percebidos em sua essência se fossem feitos de uma forma menos hábil. Nesse sentido, e seguindo uma proposição do filósofo Daniel Payot, a arte se revelaria aqui a partir de uma interrupção temporária no puro uso comunicacional do gesto: haveria arte quando há falha.
Entre as obras na exposição encontra-se igualmente Dropping Names, composta por um díptico, onde também há cópia. Mas desta vez não são copiadas imagens, e sim palavras, ou, mais especificamente, nomes de pessoas. A primeira folha do díptico contém listas de nomes escritos à mão com caneta nanquim e letras muito pequenas. A segunda traz sobrenomes escritos da mesma forma. Há centenas de nomes copiados, todos circundados por uma fina linha, colocados um ao lado do outro, sem uma hierarquia ou classificação aparentes. As listas compreendem inicialmente todas as pessoas que o artista conhece, como familiares e amigos. Depois, o conjunto de nomes cresce vertiginosamente (de maneira irônica e absurda) com a adição, por exemplo, da lista de figuras importantes da sociedade porto-alegrense dos anos 1970, ou da lista dos 200 mais importantes artistas globais segundo a revista Art News. Por outro lado, o fato de os nomes estarem separados dos sobrenomes impossibilita a identificação.
As listas se desenvolvem a partir de uma forte relação com a noção de origem, tanto biológica quanto social, artística ou intelectual. Essa origem é concomitantemente factual e ficcional, visível e invisível, excessiva e jamais completa. Há a invenção de um corpo-obra original a partir da manipulação genética de cópias, que possui todos os nomes, mas que, paradoxalmente, com a interrupção do processo de identificação, possui nome nenhum.
Em Desenhos Miméticos, a mimese não é a de uma transposição do real em signos, mas de signos, em que interessam ao artista os processos de cópia, para interpelá-los, desconstruí-los, colocá-los à deriva. E em várias obras apresentadas a cópia torna-se um original; a cópia transforma-se, por fim, numa origem.
Desenhos Miméticos
De Richard John, em cartaz no V744 Atelier (Visconde do Rio Branco, 744), na Capital. Visitação até 11 de agosto, de quartas às sextas-feiras, das 14h às 17h. Entrada franca