Um dos grandes destaques da programação da Fundação Iberê em 2023, a artista visual Vera Chaves Barcellos terá suas seis décadas de produção celebradas. Deste sábado (6) até 30 de julho, a exposição O Estranho Desaparecimento de Vera Chaves Barcellos ocupará três andares do centro cultural. Com curadoria do carioca Raphael Fonseca, a mostra apresenta 59 obras, abrangendo trabalhos desde a década de 1960 até produções mais recentes, evidenciando ainda seu diálogo com a fotografia. A entrada é gratuita no dia de abertura (veja outros detalhes de serviço ao final do texto).
O convite para realizar uma exposição sobre sua obra na Fundação Iberê — bem como a curadoria de uma mostra sobre Iberê Camargo, que ocupa o quarto pavimento do espaço até outubro — partiu do diretor-superintendente Emilio Kalil. Assim, aos 85 anos, a artista será a terceira mulher a ocupar mais de um andar do centro cultural desde sua inauguração, há 15 anos.
— Foi uma responsabilidade grande, devido ao alto nível da mostra estupenda de Regina Silveira e da expressiva exposição de pinturas de Maria Lidia Magliani — avalia Vera, que também realiza curadoria de exposições e atua como gestora da fundação que leva seu nome, localizada em Viamão.
A artista visual recomendou, então, Fonseca como curador de sua mostra. Aos 35 anos, ele é doutor em Crítica e História da Arte, além de curador de arte latino-americana moderna e contemporânea do Denver Art Museum, nos Estados Unidos. Os dois se conheceram em 2017, durante uma exposição da artista no Rio de Janeiro. Fonseca escreveu sobre a mostra para a revista colombiana ArtNexus e, no mesmo ano, incluiu dois trabalhos de Vera em uma exposição em comemoração aos 50 anos da icônica obra Tropicália, de Hélio Oiticica.
A mostra pinça obras de diversos períodos: começa pela década de 1960 — realizadas a partir da experimentação com pintura e desenho e, posteriormente, com xilogravura —; em seguida, aborda a passagem da gravura para a fotografia, no início da década de 1970; e vai até anos recentes. A artista também produziu novas versões de algumas obras, adequando-as ao espaço expositivo da Fundação, como Epidermic Scapes e O que Restou da Passagem do Anjo. A retrospectiva traz, ainda, livros de artista e vídeos.
No catálogo da mostra, o curador esclarece que o título se apropria, com certa liberdade poética, do nome de um trabalho da artista datado de 1976: O Estranho Des-aparecimento de VCB. "Naquele contexto histórico — o da ditadura militar no Brasil —, essa frase poderia ser lida tanto como uma amarga memória às pessoas que desapareceram devido à violência estatal quanto uma provocação em referência àqueles que tiveram de, momentaneamente, desaparecer do cenário brasileiro por perseguição política", escreve Fonseca.
Contudo, agora, essas palavras adquirem outro contexto e são "embebidas de ironia: VCB, ou seja, Vera Chaves Barcellos, não desapareceu — está viva, extremamente ativa e colaborativa em seus projetos". "Enquanto tivermos sua obra e pesquisa perante os nossos olhos, VCB, felizmente, nunca desaparecerá", finaliza o texto.
Para chegar ao conjunto da mostra, o curador utilizou diversos critérios: a questão arquitetônica e espacial, refletindo sobre o que faria sentido; a utilização apenas de obras do acervo de Vera e da Fundação Vera Chaves Barcellos; a criação de um percurso narrativo mais linear; e a realização da exposição de maneira mais acessível para o público não especializado em artes visuais, com textos em cada sala.
— Para mim, foi um privilégio realizar essa exposição dialogando com a magnífica arquitetura de Álvaro Siza — destaca Vera.
Caso peculiar
A pesquisa da artista porto-alegrense tem como ponto de partida a relação entre o corpo, seja individual ou coletivo, e o tempo. Seus trabalhos se pautam com frequência na ideia de sequências de imagens narrativas, bem como na linearidade e sua ausência. Com uma carreira marcada pelo caráter experimental, Vera bebe de referências que incluem o cinema, os quadrinhos e a televisão, entre outros, e se interessa pela possibilidade expressiva da cor.
— A importância dela é enorme, não só para Porto Alegre, para o Rio Grande do Sul, Brasil, América Latina, o Sul global, mas para a história da arte como um todo. É um caso, pegando só o Brasil, muito peculiar: quais artistas em vida conseguem, por diversas razões, criar uma fundação com seu próprio nome, salvaguardar sua obra e ainda ter um olhar generoso para outras obras de sua geração? — reflete Fonseca.
Ele ressalta que estar com a artista é sempre uma situação de aprendizado. Para a figura do curador, sobretudo em sua idade, há ainda um certo maravilhamento e admiração, além da análise.
— Acho que é interessante trocar e aprender sobre ela e também sobre como as coisas no mundo mudaram. Olhar para uma trajetória que começou nos anos 1950 é também olhar para muitas mudanças culturais, tecnológicas, políticas. A gente tem 50 anos de diferença, é um superprivilégio poder sentar ao lado dela e escutar sobre o percurso dela como artista visual — conta o curador.
O carioca acrescenta ainda que todo projeto curatorial tem também um quê quase terapêutico:
— Especialmente quando lidamos com a exposição de um artista só, e um artista do qual se tem uma diferença significativa não somente de idade mas geográfica e cultural. Acho que aprendi muito com ela não apenas sobre arte, mas sobre a vida.
Neste sábado, dia da inauguração, será promovida uma conversa sobre a exposição com Vera, Fonseca e o historiador da arte, crítico de arte e professor do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Eduardo Veras, às 16h, no auditório da Fundação Iberê.
Exposição "O Estranho Desaparecimento de Vera Chaves Barcellos"
- Abertura neste sábado (6), às 14h, na Fundação Iberê (Av. Padre Cacique, 2.000), com entrada gratuita.
- Visitação até 30 de julho, de quinta a domingo, das 14h às 18h. Às quintas, a entrada é gratuita. De sexta a domingo, os ingressos custam R$ 20 (individual) e R$ 30 (duas pessoas), à venda no Sympla.