O público poderá conhecer a fundo uma das muitas facetas de Iberê Camargo em uma nova exposição na fundação que leva o nome do artista. Deste sábado (15) até 15 de outubro, a mostra Iberê Camargo: Desenhos, com curadoria da artista visual Vera Chaves Barcellos, estará aberta para visitação (veja detalhes ao final do texto). A exposição se destaca por reunir desenhos inéditos do consagrado artista gaúcho, conhecido sobretudo por sua pintura e gravura.
Muitas das obras jamais ou raramente foram expostas. Além de exaltar a produção do artista, Iberê Camargo: Desenhos possibilita uma imersão no processo criador e no ser humano que ele foi. Dos mais de 3,7 mil trabalhos disponibilizados pelo acervo, Vera escolheu 163.
"Tive a consciência de que a maioria das mostras realizadas até agora na Fundação se concentrou principalmente na pintura de Iberê Camargo, sem dúvida, a sua maior contribuição para a arte brasileira, seguida de perto por sua extensa produção de gravura, especialmente a gravura em metal. Como vários outros curadores, primeiramente, pensei em organizar uma mostra de suas pinturas, já que esta seria sua expressão máxima, a mais cultuada e certamente a mais nobre", explicou a artista no catálogo da exposição. Vera havia chegado a selecionar também algumas cerâmicas, quando passou a analisar os desenhos.
— Quando vi a quantidade de desenhos e a imensidão dessas obras, e como ninguém tinha feito uma exposição só de desenhos, digo: bom, acho que é por aí, vamos fazer uma coisa que ninguém fez — afirma Vera, em entrevista.
Para a curadora da mostra, o desenho é a mais espontânea e uma das mais reveladoras formas de expressão de Iberê. "Constatei que neles poderia haver uma maior revelação de quem fora Iberê Camargo, em todos e extremamente variados momentos de seu inquieto e conturbado temperamento. Seria possível um processo analítico de sua personalidade e psiquismo por meio unicamente de seus desenhos", escreveu Vera.
Um dos motivos que guiaram a decisão foi o fato de a artista considerar os desenhos mais "diretos". Enquanto na pintura Iberê criava, destruía e reconstruía, até que considerava a obra como finalizada, no desenho o processo é diferente. O artista podia até desenhar com lápis e apagar, mas os traços, que deixam uma marca no papel, tornam-se definitivos. Assim, as hesitações ou retrocessos pairam em seus desenhos — motivo pelo qual eles revelam mais sobre seu processo.
— Todas as coisas que ele colocava nos desenhos eram muito de dentro dele naquele momento, e pegam muitos momentos que na pintura foram destruídos. O desenho deixou todas as marcas dele, as dúvidas, as angústias, fantasmas, e ele tinha alguns, não eram poucos — avalia a amiga de Iberê, que o visitou diversas vezes, tanto no Rio de Janeiro quanto em Porto Alegre.
O apanhado de desenhos reúne ainda rabiscos, anotações e estudos para pintura. Eles abarcam a figura humana, incluindo nus, manequins, figuras trágicas e decadentes, ciclistas e idiotas (sombras sem rumo), em diferentes épocas, incluindo estudos de aprendizagem do início da carreira e um retorno nos anos 1980, seguindo até o final de sua vida; retratos de homens e mulheres e de sua companheira, Maria Camargo; autorretratos; paisagens; carretéis; e desenhos de sua última fase, altamente dramática e forte.
Critério intuitivo
O convite para fazer a curadoria da mostra partiu de Emilio Kalil, diretor-superintendente da Fundação Iberê Camargo. Durante mais de um ano, Vera mergulhou no acervo do pintor, com a assessoria de Gustavo Possamai, guardião do acervo.
A seleção de quais das mais de 3 mil obras chegariam à exposição foi baseada em um critério intuitivo, conforme Vera. "Só posso dar meu depoimento e justificar as minhas escolhas através de meu olhar, experiência e vivência como artista", escreveu. Mesmo assim, no processo, obras tão boas e relevantes quanto as que serão expostas tiveram de ser deixadas de fora, por questões de espaço. Por esse motivo, o maior desafio foi reduzir a seleção do acervo.
Vera conheceu Iberê em 1960. Aos 85 anos, ela narra no texto da exposição memórias envolvendo o pintor, como suas queixas sobre a dificuldade em conseguir tintas boas no Brasil, sua exigência por silêncio ao pintar e a organização e limpeza de seu ateliê. Ela também recorda sua simpatia e espírito combativo, polêmico e direto.
Iberê foi um dos expoentes do abstracionismo expressionista no Brasil. O auge da obra e de sua vida pode ser situado, para Vera, do início dos anos 1960 até o final de 1970. Ela destaca a entrega e concentração do artista ao ato de pintar, marcado por uma predominância do gesto e efetuado em "etapas, freneticamente e com muita potência".
Iberê obteve reconhecimento no Brasil, lembra Vera. Ele foi um expressionista tardio — o que não tira o valor de sua obra, complementa. Isso aconteceu porque o trabalho do pintor veio depois de outras correntes que tinham produzido coisas semelhantes. Há uma defasagem, vinculada a um fenômeno quase geográfico, que acometeu praticamente uma geração de artistas brasileiros, devido às dificuldades da circulação de informação. Além disso, Iberê foi à Europa quando já aconteciam primórdios de movimentos com rasgos que apontavam para a contemporaneidade; contudo, ele permaneceu um artista moderno, sem adentrar a pós-modernidade.
A incursão pelas obras resultou em novas descobertas para Vera. Ela espera que a exposição, agora, presenteie o público com boas informações sobre a produção de desenhos de Iberê Camargo.
— Foi muito importante essa experiência, foi muito enriquecedora para mim, de conhecer de perto a produção e ter acesso ao próprio acervo, que é extremamente bem cuidado, com uma climatização perfeita. São raros os museus no Brasil que têm essas condições — enaltece a artista.
Em maio, Vera retorna à Fundação Iberê Camargo — desta vez, com uma exposição própria. Ela será um dos grandes destaques da programação em 2023 e a terceira mulher a ocupar mais de um andar do centro cultural. Em 6 de maio, O Estranho Desaparecimento de Vera Chaves Barcellos será aberta ao público. Com curadoria de Raphael Fonseca (RJ), a mostra trará um recorte de obras realizadas ao longo de 60 anos, que abrange experimentações com pintura e desenho, xilogravura e trabalhos mais recentes, destacando seu diálogo com a fotografia, livros de artista e vídeos.
Iberê Camargo: Desenhos
- Abertura neste sábado (15), das 14h às 18h, na Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2.000), em Porto Alegre. Neste dia de abertura, o local terá entrada gratuita.
- Visitação às quintas, com entrada franca, e de sexta a domingo, com ingressos a R$ 20 (individual) ou R$ 30 (duas pessoas), via plataforma Sympla.
- A mostra segue em cartaz até 15 de outubro.