A Fundação Iberê abre a sua agenda de exposições do ano trazendo para o espaço a arte de André Ricardo, nascido em Grajaú, periferia de São Paulo, há 37 anos, mas que atualmente está expandindo a sua moradia pelo globo. E, a partir das 14h deste sábado (4), ele soma Porto Alegre ao mapa-múndi que está colorindo, estreando na Capital com a mostra Da Pintura Necessária.
— É uma honra muito grande poder expor o meu trabalho neste museu que, além de lindo, é a casa do Iberê Camargo, um dos maiores pintores brasileiros — celebra o artista. — Parece pensado para receber pintura, com um espaço muito privilegiado, uma arquitetura que convida a apreciar a arte com o tempo e a luminosidade que a pintura pede. É uma experiência muito envolvente. Não tenho dúvida de que é um dos melhores lugares para apresentar pintura não só no Brasil, mas no mundo.
E é neste cenário que o artista vai exibir 56 obras, sendo que cinco delas vieram de sua mais recente estadia internacional, finalizada no final do ano passado: uma residência artística na Residency Unlimited (RU), no Brooklyn, em Nova York, Estados Unidos, onde ficou por dois meses e meio. Por lá, incrementou ainda mais a sua jornada de construção como um nome de referência da arte contemporânea brasileira, somando-se a experiências que teve na Espanha e em Portugal.
Pureza
E por falar em experiência, André Ricardo passou pelas mais diversas técnicas, como as tradicionais óleo e acrílico, até se encontrar com a sua atual: a têmpera ovo, que consiste na mistura do pigmento com a gema, uma técnica predominante na arte italiana pré-renascentista, principalmente no interior das igrejas. Com ela, o artista cria um conjunto de peças que tem como marca a familiaridade com sua visualidade de matriz popular e afro-brasileira.
Para o paulista, outro importante diferencial da tinta é a sua produção artesanal, com o artista dominando o seu processo de feitura. O resultado, segundo ele, é uma cor com uma pureza muito particular, ficando visível nas obras que a pintura não é a óleo ou acrílica, que tem "algo diferente". De acordo com o artista, a luminosidade acetinada convida o espectador a pousar o olhar sobre a obra.
— A têmpera foi a técnica com que eu me identifiquei em nível muito profundo, por aquilo que ela oferece de qualidade e pelo processo que ela demanda. Ela oferece essa cor lavada, pura, fresca, com uma espécie de ingenuidade da cor. Ela também reporta para essa visualidade popular, me faz lembrar dessas casas caiadas que a gente tem, das nossas cores, das bandeiras de festa, dos brinquedos de madeira. Tem uma memória. Eu cresci em uma casa, na periferia, que tinha o piso vermelho de cera, a parede lavada de cal verde. Então, acho que tem uma memória afetiva dessas cores e que a têmpera me ajuda muito a tentar alcançar — reflete o artista.
Trânsito
Filho de pais nordestinos, que foram tentar a vida na capital paulista, André Ricardo, desde muito cedo, demonstrou interesse pelas artes, seja por desenho, pintura ou teatro. Ainda criança, passou a frequentar cursos gratuitos de arte, até que em 2006 conseguiu ingressar no curso de artes plásticas da Universidade de São Paulo (USP), onde se formou. Aos 37 anos, ele segue agregando novas vivências e inspirações em suas composições. A sua arte reflete o seu estado de movimento constante e, por isso, diversas de suas criações não foram planejadas, e sim construídas durante o processo.
— Foi um uma percepção que eu tive desde cedo, de que a arte poderia me levar para qualquer lugar. Desde muito cedo, passei a fazer oficinas de pintura, e elas não eram perto da minha casa. Eu precisava pegar ônibus. Então, eu já andava pela cidade sozinho. E, na universidade, foi só uma extensão disso: eu atravessava a cidade para estudar e conviver com pessoas de diferentes camadas sociais. Acho que o meu trabalho reflete bem esse sujeito que está em trânsito constante entre diferentes esferas — define o artista.
Para ele, a sua arte traz a tradição da arte moderna, da pintura mais canônica que o público está acostumado a ver em museus, mas, ao mesmo tempo, tem a presença de uma linguagem mais popular, de um universo afro-brasileiro que, na maioria das vezes, era apartado dos livros de história. É uma amálgama de diferentes esferas da arte. E isso tudo poderá ser visto nesta que é sua primeira exposição em um museu — a primeira individual, em 2021, foi na Galeria Estação (SP).
Sob os olhos do curador da mostra Da Pintura Necessária, o também paulista Claudinei Roberto da Silva, André Ricardo é representante de uma parte da arte brasileira que, historicamente, não recebeu a atenção que merecia: o da arte afro-brasileira.
— A sua obra é amálgama de uma história. Ele repercute a arte brasileira contemporânea em uma macro-história, mas também avança em uma micro-história que se conecta com outras correntes, inclusive aquela arte que nós convencionamos chamar de "popular" — diz o curador.
Para Silva, inclusive, o artista apresenta, por meio do seu trabalho, uma espécie de "encruzilhada", com a qual traz à tona debates que foram submergidos e que, no entanto, não podem ser contornados. Para o curador, André Ricardo faz isso de uma forma "extraordinária":
— Existe um apuro técnico e formal que está à altura da proposição conceitual. Se existe algum debate em torno da obsolescência da linguagem pictórica, André Ricardo e pintores como ele tornam obsoleta essa discussão. Eles assinalam a pintura como uma linguagem ainda indispensável para o desenvolvimento da nossa cultura.
"Da Pintura Necessária", de André Ricardo
- Abertura neste sábado (4), às 14h. Visitação até 30 de abril, de quinta a domingo, das 14h às 18h.
- Fundação Iberê (Av. Padre Cacique, 2.000, bairro Cristal), em Porto Alegre.
- Os ingressos estão disponíveis no Sympla. Às quintas, a entrada é gratuita. De sexta a domingo, os ingressos custam R$ 20 (individual) e R$ 30 (duas pessoas).