Por Paulo Gomes
Professor no Instituto de Artes (IA) da UFRGS, coordenador da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo (IA-UFRGS)
Conforme o Aurélio, “papelão”, no sentido figurado, é um procedimento ridículo ou vergonhoso, um fiasco. Também uma ação sem sentido, uma gafe ou algum mico. A expressão, carregada de crítica e ironia, sempre é utilizada para chamar a atenção de alguém por uma ação impensada ou malsucedida.
Não foi por acaso que Alfredo Nicolaiewsky usou a expressão para nomear as exposições comemorativas dos seus 50 anos de carreira. Cinquenta anos é muito tempo e é necessário tentar compreender a dimensão do que ele quis dizer. Nicolaiewsky tem uma inegável, e bem-sucedida, carreira como artista visual e professor. Sua trajetória conta com 19 exposições individuais, mais de 80 coletivas, além dos três livros de sua autoria, e está consolidada em obras – desenhos, pinturas, fotografias, gravuras, vídeos – presentes em coleções de importantes museus nacionais e locais. As atuais exposições em cartaz, em duas galerias da capital gaúcha, são um testemunho da sua potência criadora e de seu fôlego.
Dois dados devem ser considerados ao tratarmos dessas exposições: o material e a pintura. Sobre o material, importa dizer que as pinturas sobre papelão, utilizado em caixas de embalagens e descartados, são feitas sobre um material pouco nobre, ao contrário das telas... Nicolaiewsky não só recupera esse material, mas também resgata a sua prática com ele, iniciada na década de 1980, no auge da famosa Geração 80, grupo que atuava sem amarras e sem freios, utilizando materiais simples, econômicos e pretensamente frágeis. Sobre a pintura, importa dizer que o artista consolidou seu nome como desenhista e como pintor, práticas que desenvolveu até os anos 2000, quando se dedicou à produção de imagens fotográficas e digitais. Em 2020, com a pandemia e o isolamento obrigatório, ele decidiu, 20 anos depois, que era a hora de voltar a pintar: havia tempo disponível e o isolamento necessário à prática. Durante aquele ano, produziu um considerável número de obras, que foi compartilhando, dia a dia, em um grupo de amigos no WhatsApp. A experiência virou um e-book, intitulado Alfredo em Processo, Nicolaiewsky em Quarentena, lançado em 2020. Foi a maneira encontrada por ele para interagir, trocar ideias e compartilhar com seus pares a produção nascente, naquele duro momento de solidão e isolamento compulsório.
O sucesso da empreitada, em termos artísticos e com a repercussão do e-book, deixou-o confortável para seguir produzindo. A pandemia foi amenizando, os contatos retornaram aos poucos e também aproximava-se a data redonda de 50 anos de sua carreira, a contar de sua primeira exposição individual, no Atelier Livre da prefeitura de Porto Alegre, em 1973. Sua carreira precisava de uma mirada retrospectiva. Esse olhar sobre sua obra levou-o, naturalmente, a pensar em uma grande mostra, retrospectiva, antológica ou revisionista. Daí surgiu a ideia de fazer exposições simultâneas, dedicadas exclusivamente à produção dos anos 2020 a 2022, nas duas galerias que o representam e acolhem a sua obra. Exposições produzidas, chegou a hora de dar um título.... Qual o título mais adequado? Qual o que melhor representa este momento de celebração? Poderia ser algo retórico, elevado, grandioso. Mas não, quem conhece o Alfredo Nicolaiewsky sabe do seu humor e da ironia cortante que o caracteriza. Que Papelão!!! foi o título eleito para nomear a celebração do cinquentenário. Um comentário irônico, mas bem-humorado, de quem tem uma carreira sólida, que, no entanto, não se abate com as dificuldades do sistema.
Que Papelão!!! mostra que a produção dos últimos três anos é, principalmente, uma síntese das formas, dos procedimentos e dos materiais utilizados pelo artista nos 50 anos de carreira. Alfredo Nicolaiewsky é um artista consagrado e um nome fundamental de sua geração.
Que Papelão!!!
Obras de Alfredo Nicolaiewsky, divididas em dois espaços de Porto Alegre até o próximo dia 25: Galeria Gestual, na Rua Lucas de Oliveira, 21 (visitação de segunda a sexta, das 13h às 19h, e sábado, das 10h às 13h), e Ocre Galeria, na Rua Demétrio Ribeiro, 535 (de segunda a sexta, das 10h às 18h, e sábado, das 10h às 15h30min). O e-book Alfredo em Processo, Nicolaiewsky em Quarentena (2020) pode ser acessado gratuitamente no site ufsm.br/editoras/editorappgart.