Por Niura Legramante Ribeiro
Professora no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da UFRGS
A suspensão, o equilíbrio, a sustentação, o peso versus o contrapeso e, por vezes, a leveza são questões que permeiam o percurso poético de José Spaniol, artista nascido em nosso Estado mas que vive e trabalha em São Paulo. Como conter o campo gravitacional de objetos? A resposta a essa questão pode ser encontrada nos trabalhos da exposição Sem Peso & Cem Medidas, no Atelier V744. O controle, mesmo que frágil, da gravidade parece ser obtido por meio de contraforças em objetos escorados e em suspensão.
Ao menos desde 1990, sua poética explora a relação de objetos/esculturas com a arquitetura dos espaços expositivos. Um bom exemplo é a obra Firmamento (2010), que já recebe o público no corredor de entrada do Atelier V744. Hastes de bambu in natura sustentam Atlas – livro de mapa aberto justaposto ao teto, trabalho pleno de simbologias. A escolha desse tipo de livro para o local que abre a exposição prepara o visitante para ver a cartografia da poética do artista. Firmamento e mapa são forças simbólicas potentes que formam um paradoxo em relação ao céu, pois um dá estabilidade e o outro fixa geografias e possibilita medições precisas; o céu apresenta instabilidade, imprecisão, movimento e dinamismo. O livro escolhido pode ecoar ainda a força do gigante Atlas que, na mitologia grega, foi condenado por Zeus a segurar o planeta. Todos os Atlas, ou seja, as geografias, são sustentadas pelas hastes dos bambus, material que, por sua característica física de aguentar muito peso, pode até vergar, mas não se quebra.
Em Balanças (1999), o artista consegue o controle da gravidade pela suspensão e o equilíbrio entre duas esferas de cerâmica com um fardo de livros, duas matérias dinstintas, uma plástica e outra semântica, referenciando processos de criação.
O título da tese de Spaniol, Verticalidade e Espelhamento, realizada em 2009, na USP, traz um significativo entendimento de sua prática artística que se verifica nesta exposição. Algumas obras se apresentam como “espelhamentos”, pois orbitam em torno de questões poéticas de épocas anteriores na sua trajetória e que se configuram como genéticas de motivos semelhantes, porém, com alterações de escalas e materialidades. “O trabalho novo vem do próprio trabalho”, resume o artista sobre os trabalhos que traz para a exposição.
Um olhar retroativo resgata trabalhos que o artista realizou antes, trazendo outras abordagens plásticas como um jogo entre presente e passado, condensados na obra Clash (2022). Sobre uma mesa com tampo de ardósia, escorado apenas por hastes não fixadas, são apresentados objetos reconfigurados em escalas bem menores, similares a maquetes, de obras realizadas em outros períodos. Um primeiro objeto é um conjunto de réplicas em miniatura de hastes de bambus, porém, em bronze, com banho de prata, que são apenas escoradas umas às outras, ecoando os pés da mesa, e que equilibram um barco no seu topo; ao lado desse, o esqueleto com torção da estrutura interna de um barco – ambos remetem a Sonhos de Outubro (2019), trabalho de grandes dimensões exposto na Bienal de Coimbra no mesmo ano; por último, cadeiras em pequenas escalas, criadas em latão com banho de prata, que se duplicam verticalmente pelos espaldares, originam-se da obra O Descanso da Sala (2006-2014), esta também de grandes proporções. A linha que tem o potencial de estruturar formas cria um ritmo para esses objetos, seja nas hastes, nos espaldares das cadeiras ou na ossatura do barco. Clash se completa com linhas sonoras da voz do artista reproduzindo o som das ondas do mar, que também já estavam presentes na forma de escrita, em trabalhos como TIAMM SCHUOOMM CASH! (2016) e Bamp Uuooom Wawa! (2015).
Em Rima (2022), desenhos sobre papel com tinta prata parecem fazer eco aos feixes de hastes de bambus de parte de Clash, com semelhante disposição espacial de um conjunto de formas inclinadas. Na mesma linha de desenhos, porém como relevos, as obras Grades 1, 2, 3, 4, 5 (2019) em muito se assemelham aos bambus, embora originadas de linhas de gravetos e moldadas em bronze, entrelaçando-se com espumas sintéticas em confrontos de materiais: um pesado e escuro e outro leve, transparente.
Matérias estáveis, olhares instáveis. Se José Spaniol procura uma aparente estabilidade para conter a gravidade no limite tênue entre o seguro e o frágil, o mesmo não ocorre com os olhares que gravitam em direções diferentes: teto, chão, parede, meio da sala ou ainda presente e passado de sua poética, dado o caráter retrospectivo da exposição.
Sem Peso & Cem Medidas
Obras de José Spaniol em cartaz de até 29 de abril no Atelier V744 (Rua Visconde do Rio Branco, 744, Bairro Floresta, em Porto Alegre). Entrada franca. Recomendação etária: 12 anos.