Santídio Pereira, 26 anos, tinha seis quando deixou o pequeno povoado de Curral Comprido, distrito do município de Isaías Coelho, no Piauí, para mudar-se para São Paulo com a mãe. Do que mais sentiu saudade desde então, não tem dúvidas: o contato próximo com a natureza. Na terra da garoa, sem mais poder sentir o pé tocar o barro e tampouco comer mangas subindo na árvore, encontrou na arte uma forma de reconectar-se com as lembranças da primeira infância. Xilogravou as plantas, os pássaros e as paisagens que habitam sua memória e, agora, destoam da alvura das paredes da Fundação Iberê Camargo (Avenida Padre Cacique, 2.000, na Capital) onde, a partir deste fim de semana, ele estreia a exposição Santídio Pereira – Incisões, Recortes e Encaixes.
Traduzidas em 22 xilogravuras, impressas em papéis kashiki, hahnemühle, sekishu, wenzhou, fabriano disegno, de arroz chinês e 100% algodão e dimensionadas em proporções que variam de 120cm x 90cm a 223cm x 180cm, as memórias do artista revelam as ânsias de um Brasil que não tem voz, mas grita para continuar existindo. São representações de plantas, pássaros e paisagens que encantam pela beleza, ao passo em que irradiam um lembrete infame: "Vocês estão nos destruindo".
— Tem uma questão política que não é explícita, mas faz parte do meu trabalho. Não é um trabalho político, é um trabalho de arte, mas que também carrega essas questões. Quem sabe a pessoa veja uma obra minha, lembre de uma memória feliz dela em meio à natureza e perceba que não dá mais para a gente destruí-la — reflete o artista.
As obras apresentadas na mostra rompem com os preceitos convencionais da xilogravura, adotada por Santídio como sua arte-mãe. Em vez de simplesmente reproduzir as formas gravadas na matriz para o papel, tal qual orienta o procedimento habitual, o artista bebe também em fontes da marcenaria, da pintura e da cenografia, combinando várias matrizes recortadas e encaixadas como peças de um quebra-cabeças, que resultam em uma justaposição de formas, cores e sensações visuais.
É por isso o título Incisões, Recortes e Encaixes, uma referência ao jeito único de xilogravar desenvolvido por ele — que, inclusive, já tem preferido abandonar os rótulos:
— Quem faz gravura tem muito essa coisa da técnica, de seguir as regras. Por isso, agora digo que eu faço arte. Não me interessa se é gravura, pintura ou desenho. É arte. Não me interessa muito mais a técnica, por isso misturo tudo mesmo. Não estou mais preso às convenções.
Mas o artista pondera: só é possível renegar a convenção conhecendo-a com maestria. E sem falsa modéstia, ele assegura que aprendeu com os melhores. Dos oito aos 18 anos, mergulhou nas mais diversas práticas das artes visuais como aluno do Instituto Acaia, organização social sem fins lucrativos que atende crianças e jovens das periferias de São Paulo e conta com nomes renomados no quadro de artista-educadores, como Fabrício Lopez e Flávio Castellan. Teve a vida transformada.
— O povo gosta de falar que "a arte muda a vida" e, às vezes, parece uma frase tão sem fartura, tão sem corpo, tão clichê, que fica parecendo até mentira. Mas, no meu caso, é verdade — brinca.
Será agora, no imponente prédio com arquitetura do português Álvaro Siza na Avenida Padre Cacique, que Santídio verá pela primeira vez os frutos deste aprendizado reunidos todos juntos, lado a lado, por completo. Isso porque, embora tenha exposto da Pinacoteca de São Paulo à Fundação Cartier, em Paris, o Iberê é o primeiro museu para o qual o piauiense leva uma mostra individual. Aprendiz de si mesmo, ele espera tirar novas lições da passagem pela capital gaúcha:
— Nunca vi todos esses trabalhos ao mesmo tempo. Na verdade, nunca nem vi eles todos emoldurados, porque fazia, ia para uma exposição e já vendia. Não sou de ficar ansioso, mas estou feliz e querendo ver esses trabalhos um ao lado do outro para perceber, aprender com eles e entender ainda mais sobre o meu processo.
Santídio Pereira – Incisões, Recortes e Encaixes
- Abertura: neste sábado (5), às 14h. Até 1º de maio.
- Visitação: sextas, sábados e domingos, das 14h às 18h, mediante compra do ingresso com agendamento de horário. Às quintas, visitação gratuita, das 14h às 18h, por ordem de chegada, conforme lotação máxima.
- Ingressos: disponíveis na plataforma Sympla, com valores de R$ 5 a R$ 15 (até 6 de março, quando haverá alteração nas tarifas).