Por Francisco Dalcol e Fernanda Medeiros
Diretor-curador e curadora-assistente do Margs
Dione Veiga Vieira – Terreal assinala a consistência da trajetória e obra de um dos mais destacados nomes da chamada “Geração 80” das artes visuais no Rio Grande do Sul, tão importante em nosso meio pela difusão e fixação das práticas e pensamento em arte contemporânea.
A exposição, que marca a primeira individual da artista no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) em quatro décadas de carreira, tem como ponto de partida o seu momento de virada nos anos 2000. É quando estabelece um rompimento com sua produção pregressa até então estrita à pintura, disciplina à qual concentrou sua produção nos 20 anos anteriores em torno de questões matéricas relacionadas ao campo pictórico.
Essa transição levou a artista a encaminhar sua obra pela via da experimentação de pesquisa e linguagem, com objetos tridimensionais e propostas instalativas e de investigação da imagem.
Nesse movimento, a produção de Dione Veiga Viera incorporou meios diversos, como escultura, instalação, fotografia, vídeo, texto, fotoperformance e apropriação de objetos naturais e industriais.
Mas, apesar da incorporação dessa pluralidade das práticas artísticas contemporâneas, nas obras da artista pode-se reconhecer uma mesma força não tão aparente que as perpassa e que confere uma unidade ao corpo de sua heterogênea produção. Força que provém de uma intencionalidade com implicações diversificadas e complexas em seus trabalhos, mas que ainda assim lhes é fundante e comum.
Essa força resulta de uma tremenda vontade de apreensão do mundo, como busca motivada por compreender e vislumbrar as feições que o mundano e material assumem; seja a partir do olhar dirigido à observação atenta dos estados naturais e processos de transformação, seja pela visualidade decorrente do ato de intervir na ordem da normalidade.
Isso se dá não exatamente pela captura objetiva do conhecimento, mas pela disposição ao advento da descoberta, movida pelo exercício de percepção das coisas e pela operação de recolocá-las de outro modo, segundo atos de ressignificação e reinvenção acionados por um modo de pensamento e ação que são próprios à arte.
Embora cada obra seja una e acabada em si, incide sobre essa individuação um pensamento de montagem na formalização espacial, que conduz a apreensão do todo pelas suas partes e fragmentos. A artista joga com procedimentos da tradição conceitualista da arte, mas é ao convocar o pensamento instalativo que conforma cada trabalho ao modo de exibição que lhe é próprio e particular.
Esse expediente fundamenta o pensamento que estrutura a disposição das obras em sua totalidade ao longo da exposição. No que a mostra pode ser compreendida em seu conjunto como uma ampla instalação composta por diversos e distintos trabalhos, todos convocados à maneira como a expografia foi concebida, como se a artista se apropriasse das próprias obras para dar a ver uma outra obra. No limite, é uma exposição que se faz e constitui enquanto uma obra em si.
Em sua proposta, a mostra procura explicitar o amplo campo de cruzamentos, atravessamentos e contaminações em que se amalgamam o pensamento poético e as práticas artísticas no decorrer da produção de Dione Veiga Vieira.
Para tal, apresenta uma reunião representativa de obras da artista, trazendo a público um conjunto histórico que agora passa a integrar o acervo do Margs, e que vem a enriquecer e qualificar sua presença na coleção.
Além de obras do acervo do museu, entre recentemente adquiridas e já integrantes da coleção, a exposição conta ainda com trabalhos do Museu de Arte Contemporânea do RS (MACRS), da Fundação Vera Chaves Barcellos (FVCB), da Pinacoteca Aldo Locatelli da prefeitura de Porto Alegre e de coleções particulares.
A exposição se insere no programa Histórias Ausentes, voltado a projetos de resgate, memória e revisão histórica, com o objetivo de conferir visibilidade e legibilidade a manifestações e narrativas artísticas, destacando trajetórias e atuações. Ao mesmo tempo, estabelece um diálogo com exposições do programa curatorial da atual direção artística do Museu que destacaram pares de geração, notadamente as individuais Frantz – Também e Ainda Pintura (2019) e Lia Menna Barreto: a Boneca Sou Eu – Trabalhos 1985-2021 (2021); além das que promoveram resgates de momentos-chave inscritos em circunstância histórica relacionada, como a mostra documental Espaço N.O. 40 Anos – Arquivos de uma Experiência Coletiva (2019).
Dione Veiga Vieira - Terreal
Na Galeria Iberê Camargo e na Sala Oscar Boeira do Museu de Arte do RS – Margs (Praça da Alfândega, s/nº, em Porto Alegre). Visitação de terça-feira a domingo, das 10h às 19h (último acesso às 18h30min). Entrada gratuita. Até 17 de abril de 2022.