Reaberta ao público em 19 de setembro, a Fundação Iberê Camargo recebe, a partir de sábado (17), uma exposição com projeção internacional: Pardo É Papel, de Maxwell Alexandre, que faz em Porto Alegre sua terceira parada, após ser vista em Lyon, na França, e no Rio de Janeiro. Na série de trabalhos, o artista retrata o imaginário de questões ligadas à negritude, falando de vitória, ostentação, autoestima e empoderamento preto.
— A designação “pardo”, encontrada nas certidões de nascimento, em currículos e carteiras de identidade de negros do passado, foi necessária para o processo de redenção, em outras palavras, de clareamento, da nossa raça. Porém, nos dias de hoje, com o crescimento dos debates, a tomada de consciência e reivindicações das minorias, os negros passaram a projetar sua voz, a se entender e se orgulhar, assumindo seu nariz, seu cabelo e construindo sua autoestima por enaltecimento do que se é. Esse fenômeno é tão forte e relevante que o termo “pardo” ganhou uma conotação pejorativa dentro dos coletivos negros. Dizer a um negro hoje que ele é moreno ou pardo pode ser um grande problema — afirma Maxwell, ao comentar o ato político contido na sua obra.
Pardo É Papel estreou como exposição solo no Museu de Arte Contemporânea de Lyon, feito considerado incomum para um jovem artista. Mas a história do projeto, lembra Maxwel, começou despretensiosamente, quando estudava Design na PUC-RJ:
— Eu costumo colecionar vários materiais, até coisas que vou vendo na rua, e colecionava papéis pardos no laboratório da faculdade. Porque o papel pardo é muito usado no processo de criação de roupas, modelagem. Um dia em que cheguei no ateliê sem saber o que fazer, peguei um papel desses e comecei a pintar.
A série tornou-se pública em março de 2018, quando foi exposta na Noiva, como é conhecida a Igreja do Reino da Arte, na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Depois, uma de suas obras ocupou toda a parede externa do estande da galeria A Gentil Carioca — com a qual Maxwell firmou parceria — no evento SP Arte. Foi lá que o curador francês Matthieu Lelièvre viu a peça e convidou o artista a ocupar o espaço do MAC Lyon.
— Na SP Arte eu vi que a obra tinha uma escala muito grande e comecei a sonhar com essa exposição ganhando relevância tanto nacionalmente quanto internacionalmente. Eu sabia da potência desse trabalho. Quando o Matthieu me chamou, eu tinha esse chão já pronto — diz Maxwell.
Importância
A fragilidade do papel pardo é uma das características das obras, que expõem fitas e rasgos. A ideia é enfatizar a precariedade do material. Mas após uma reflexão do artista sobre o suporte e o propósito de suas peças, algumas narrativas de Pardo É Papel foram migradas. Na Fundação Iberê, há uma única de suas pinturas em tela exposta, da série Golden Shower, produzida com tinta acrílica, látex e betume. O título é alusivo à expressão usada para o ato de uma pessoa urinar na outra durante o ato sexual, decorrente da controvérsia gerada no Brasil por um vídeo compartilhado pelo presidente Jair Bolsonaro durante o Carnaval paulistano de 2019.
— As narrativas abordadas dão margem a interpretações escatológicas. Sabendo que o jugo sobre o corpo negro é pesado em qualquer situação, ainda mais quando se trata de uma prática que é tida como imunda e impura, Golden Shower se apresenta como um lugar de afirmação de liberdade de ser o que quiser, fazer o que quiser, independentemente dos estigmas atribuídos a corpos negros — explica Maxwell
A exposição ficará na capital gaúcha até 17 de janeiro, na primeira itinerância promovida pelo Instituto Inclusartiz, com patrocínio do Grupo Petragold. Em 2022, Pardo É Papel deve passar por outras duas cidades: São Paulo e Nova York.
— Ao visitar a exposição de Maxwell Alexandre no MAR (Museu de Arte do Rio), tive a certeza da importância de Pardo É Papel em Porto Alegre, pela visão social de sua obra e, também, pela oportunidade de abrir nossas portas para a nova geração de artistas que se destacam internacionalmente — afirma Emilio Kalil, diretor-superintendente da Fundação Iberê Camargo.
Em razão da pandemia, para visitar a exposição é necessário comprar ingresso (com valores de R$ 10 a R$ 70, individuais, para grupos e com direito a estacionamento) e realizar o agendamento pelo site Sympla.
O local está aberto de sexta-feira a domingo, das 14h às 18h, com circulação restrita a grupos de no máximo 15 pessoas a cada hora. No local, também estão em cartaz as exposições O Fio de Ariadne, com trabalhos de Iberê Camargo, e Tudo Vem do Nosso Pátio, uma coleção de gravuras assinadas por 34 artistas gaúchos.