Agosto de 2017. Uma simples reforma na Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) deu origem a um grande mistério: o sumiço de Auditorium, painel de cerca de três metros de altura assinado por Regina Silveira, artista gaúcha com projeção internacional. A peça, que decorava o saguão de entrada do Teatro Bruno Kiefer, ficou sete meses desaparecida. Após a investigação de uma sindicância instaurada para averiguar o caso, descobriu-se que, ao ser levada para um depósito, a obra de arte foi confundida com entulhos pela equipe encarregada de limpar o local e terminou no lixo.
Setembro de 2020. Três anos depois, a CCMQ substituirá a peça perdida por um novo trabalho de Regina, Auditório. Embora não tenha sido projetada para o mesmo espaço expositivo, como sua antecessora, a obra doada pela artista faz parte da mesma série de imagens esculpidas em madeira. Ela será instalada numa data próxima ao 25 de setembro, dia em que se comemora os 30 anos do centro cultural.
— Para a Casa de Cultura, ter uma obra da Regina Silveira é muito valioso. Não somente porque a artista é um grande nome da arte brasileira, mas por tudo que representa salvaguardar uma obra de sua autoria: um meio de reconhecer seu legado e prestar um tributo à sua trajetória — afirma o recém-empossado diretor da CCMQ, Diego Groisman.
Regina conta que recebeu bem a proposta. Ela visitou a CCMQ no último sábado (5) especialmente para vê-la. À reportagem de Zero Hora, diz que jamais recebeu qualquer comunicado da instituição contando o que havia ocorrido com o painel original, tampouco alguma indenização. Na época do descarte, Regina foi procurada pela imprensa, negou-se a comentar o caso, especialmente informar o preço estimado da obra jogada fora, ressaltando que o maior valor contido na arte era emocional.
— Fiquei muito magoada, além de ter ficado sabendo pela mídia — conta Regina. — Fui solicitada a dizer o que achava, mas nunca me chegou qualquer carta notificando o ocorrido. Por isso, recebi a proposta (de substituir a obra) muito bem, para reparar o acontecido.
Segundo a artista, quando foi contatada para substituir a obra, não havia uma proposta fechada em relação ao que deveria ser feito. Cogitava-se, naquele momento, reconstruir o trabalho perdido. Entretanto, optou por enviar outro painel.
— Não achei que poderia reproduzir a obra. Achei que pareceria um fantasma. Ia parecer uma réplica, e eu não costumo fazer isso com meu trabalho — afirma Regina.
Groisman complementa:
— Concluímos que a substituição por outro trabalho da série, realizado na mesma época do anterior, pelo valor histórico que possui, seria a melhor maneira de restituir o patrimônio.
O responsável pelo armazenamento indevido da obra perdida acabou identificado, e a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) instaurou uma ação para a responsabilização civil. Sem dar o nome do envolvido, a Secretaria Estadual de Cultura, responsável ela CCMQ, informa que não se trata de um servidor público. Questionada sobre a tramitação do processo, a PGE não respondeu até a conclusão desta reportagem.
Antes de ser descartada, Auditorium havia sido danificada, lembra Regina, que classifica o tratamento dado ao painel como “muito pouco desejável”. Ressalta também a necessidade de uma instituição como a CCMQ ter cuidado com a conservação e um local adequado para guardar as peças. Ainda assim, crê que, desta vez, as coisas serão diferentes:
— Acho que, além de engano, houve descuido. Desde o período em que ela foi colocada na parede, eu visitei algumas vezes. Em uma delas, vi que pintaram a parede sem retirar a obra. E depois veio essa surpresa ruim, de que foi descartada.
Auditório, a nova peça, também se relaciona com Porto Alegre. Ela tem como ponto de partida o Auditorium Tasso Corrêa, localizado no Instituto de Artes da UFRGS. O projeto arquitetônico do local foi feito por Fernando Corona.
— O registro fotográfico do auditório, feito pela própria artista no início dos 1990, foi o ponto de partida para a elaboração dos desenhos preparatórios, nos quais Regina explora possíveis visualidades e distorções da imagem original, já planejando o futuro recorte. Esses desenhos e a fotografia original também foram doados à Casa de Cultura e serão expostos junto à obra — explica Groisman.
A iniciativa conta com o apoio da galeria Bolsa de Arte, que se responsabilizou pelo transporte apropriado da obra, e do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS), que disponibilizou a equipe técnica encarregada do laudo museológico e da supervisão na instalação do painel.