Após ordem da Secretaria de Cultura estadual do Rio de Janeiro encerrar antecipadamente a exposição Literatura Exposta, artistas do coletivo És Uma Maluca realizaram no fim da tarde da última segunda-feira (14) uma performance no centro da capital fluminense.
A performance tomou conta da calçada em frente à Casa França-Brasil, onde a mostra estava em cartaz desde 4 de dezembro. O ato, com nudez feminina e referências à tortura durante a ditadura militar, encerraria a programação.
Na performance realizada segunda, não houve nudez – uma mulher deitou-se de blusa e calcinha, com as pernas abertas, sobre um bueiro repleto de baratas de plástico. Uma caixa de som reverberava discursos do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Em seguida, outro artista jogou açúcar para as baratas.
A obra A Voz do Ralo É a Voz de Deus chegou a ser vetada pelo diretor da Casa França-Brasil, Jesus Chediak. Ele proibiu o uso dos discursos do presidente. Na mostra da Casa, uma receita de bolo entrou em seu lugar.
Um conto do escritor Rodrigo Santos foi a inspiração para A Voz do Ralo É a Voz de Deus. O texto fala de uma mulher torturada durante a ditadura. Nas sessões de tortura, baratas eram introduzidas em sua vagina.
Após a performance, a artista não quis falar com a imprensa ou dizer seu nome. Outra integrante do coletivo disse que o grupo se comunica apenas por meio de notas. Ao fim do ato, a artista afirmou aos presentes que a performance é uma resposta à reverberação da violência que tem ocorrido no país e ao silenciamento, especialmente de mulheres e das artes.
– Precisamos nos responsabilizar sobre o que gente fala, pensa e age – disse.
A Polícia Militar chegou a ameaçar a proibição do ato na rua, mas acabou não intervindo. Ao final da performance, cerca de 30 agentes estavam presentes. Um policial afirmou a jornalistas que a corporação havia ordenado o impedimento da performance porque os organizadores não a teriam comunicado à prefeitura.
Apoiadores que esperavam a realização da performance começaram, então, a entoar gritos de guerra, como "fascistas", "a rua é nossa" e "abaixo a censura".
Os presentes entoaram gritos e levantaram cartazes pela liberdade sexual, além de temas do noticiárioque também foram lembrados pelos presentes, como "onde está o Queiroz" e "quem matou Marielle".
O curador Álvaro Figueiredo publicou no Facebook que a ordem para fechar a mostra antecipadamente veio do governador Wilson Witzel (PSC). Para ele, o ocorrido foi um ato de censura do governo.
Em nota à imprensa, o secretário de Cultura e Economia Criativa, Ruan Lira, afirmou que o cancelamento aconteceu porque a programação de domingo não faria parte do contrato firmado.
Segundo a assessoria de imprensa do órgão, a performance jamais foi mencionada em contrato ou em qualquer pedido, e "o que vai ocorrer dentro de um equipamento público, tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), precisa estar documentado".
Na última sexta-feira (11), o secretário de Cultura teve acesso à informação de que uma performance com nudez seria exibida na exposição no domingo (13), ainda de acordo com a assessoria de imprensa.
"Isso teria que passar por uma classificação etária, que o governo tem que respeitar quando se trata de nudez. Jamais seria censurado, seria corretamente apresentado ao público", disse a assessoria. "Como só chegou para ele (Ruan Lira) na sexta, não haveria tempo hábil até domingo para passar pelos órgãos competentes. Teve que ser cancelado", completou.
Em entrevista à imprensa na tarde de domingo (13), o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, reafirmou o que a secretaria de Cultura já havia dito à reportagem - que a performance não estava prevista em contrato, "muito menos com nudismo". Ele disse não se tratar de censura.
Em entrevista ao Fantástico, o curador da mostra afirmou ter um email em que a direção da Casa França-Brasil diz não se opor à performance com nus.