Por Gilberto Schwartsmann
Presidente da Fundação Bienal do Mercosul
Foi no Brooklyn Museum. Numa sala enorme, escura, de fundo negro, iluminação direta sobre uma imensa mesa de jantar triangular ao centro. Em sua parte interna havia nada, apenas um piso de azulejo branco e brilhante. Os acessos laterais também tinham aparência triangular. De fato, um ambiente incrível.
Foi quando vi pela primeira vez The Dinner Party (1974-79), obra icônica da artista plástica e militante feminista Judy Chicago. Das mais de 3 mil mulheres listadas inicialmente como as mais representativas a serem consideradas na composição da obra, todas elas símbolos da luta em favor das questões do universo feminino, ao final, sentam-se à mesa de jantar de Judy Chicago apenas 39. Dentre elas, a poderosa deusa Kali da religião Hindu, a Rainha Eleonor de Aquitânia, a acusada de bruxaria Petronilla de Meath, a advogada dos direitos da mulher Mary Wollstonecraft, a abolicionista Sojourner Truth, a poeta Emily Dickinson, a escritora Virginia Woolf e a emblemática artista plástica Georgia O'Keeffe.
Na longa mesa triangular equilátera, elegantemente decorada com toalhas contendo referências a cada comensal, há pratos feitos em porcelana, verdadeiras obras de arte, lembrando aqueles expostos na Sala das Porcelanas do Museo Nazionale di Capodimonte, em Nápoles. Muitos representam leituras artísticas da anatomia da região vaginal. E, à direita de cada prato, há um elegante cálice para o vinho. Uma obra realmente impressionante.
Escrevo isso parafraseando Jennifer Scanlan, cuja referência aparece em uma publicação sobre Judy Chicago e a obra em questão, na qual ela desafia a arte a não "baixar a guarda" na luta contra a invisibilidade da mulher. E sugere que um The Dinner Party II deveria ser instalado em frente à Casa Branca, em Washington (EUA).
Pois a 12ª Bienal do Mercosul, que realizaremos em Porto Alegre, entre abril e junho de 2020, começou, de fato, no último dia 6 de novembro. Foi no eixo central do nosso Centro Histórico, nas dependências do tradicional Club do Comércio, na Praça da Alfândega, durante a 64ª Feira do Livro da Capital.
Andrea Giunta, uma das mais reconhecidas curadoras de arte do planeta e escolhida para liderar nossa mostra, é também uma destacada militante nas questões do universo feminino, entendido aqui como o feminino nas suas mais variadas manifestações. Andrea esteve conosco durante a primeira semana de novembro, para coordenar, na Feira, o seminário Arte, Feminismos e Emancipação. Se a Bienal anterior concentrou-se na contribuição do negro em nossa arte, a próxima enfrentará um tema de não menos relevância para nossa sociedade, o universo feminino. Espero que tenhamos aí o germinar de nosso "passo adiante" ao The Dinner Party, tendo como palco a nossa Porto Alegre.
Quem é
Arte, feminismo e emancipação são os três termos com os quais Andrea Giunta, curadora da 12ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul, trabalhará no projeto que vai culminar com a exposição a ser realizada em 2020. Argentina, ela é pesquisadora, escritora e professora. No seminário realizado durante a Feira do Livro, na primeira semana deste mês, na capital gaúcha prometeu problematizar as três palavras-chave da proposta curatorial, em uma edição da mostra cujo objetivo é torná-la cada vez menos regional e mais planetária.