Uma história viva da música popular. É como os colegas chamavam o baterista Gabriel Krause na época em que ele estava na ativa, de tanta experiência que acumulou. Não é para menos. Ele conviveu com a maior parte dos músicos que animaram a Porto Alegre dos anos 1950 e 1960, tocando em grupos melódicos como Conjunto Mocambo, Primo e Seu Conjunto e Os Menestréis. No mais famoso deles, de Norberto Baldauf, chegou a dar canja em um baile, enquanto o baterista escapulia para tomar uma cerveja no balcão.
Na memória de Krause, reluzem as noites em que tocava na bombonière do cinema Cacique, na Rua da Praia; ou em bares à beira do Guaíba, como o Piano Drink, na altura em que hoje está o prédio da Câmara de Vereadores, ou ainda o Gaytime, para os lados da José de Alencar. Este último, a bem da verdade, não ficava à beira e sim dentro do Guaíba, pousado em palafitas e conectado à Praia de Belas por um trapiche.
– Certa noite, fomos surpreendidos com a chegada de um homem que saiu mancando de um Chevrolet, cercado de guarda-costas. Era ninguém menos do que João Goulart, o presidente da República! Disseram que tinha vindo se encontrar com uma namorada. Dona Maria (proprietária do bar) mandou servir uísque e ele ficou se divertindo um bom tempo ali – conta Krause, hoje com 83 anos.
Dos músicos que acompanhou, faz questão de citar Nicolau Kersting, Lila Ponz, Neneco, Norberto “Alemão” Rockstroh, Rui Silva, Rui Barros, Geraldo Flach, Paulo e Cesar Dorfman, Telmo Kothlar, Nelson Dienstmann, Breno Sauer, Manfredo Fest, Delcio Vieira, Hebert Gehr, Cidinho Teixeira, Osvaldo Carreiro, Zé Gonçalves e Heitor Hiltl, além de Edi, Adão e Paulo Pinheiro e do já mencionado Baldauf. Outro que Krause reverencia é o uruguaio Miguel Angel Cidras, um dos maiores arranjadores da música brasileira. No início dos anos 1960, Cidras tocava piano nos estúdios da Rádio Gaúcha, onde conheceu Elis Regina, que o levou para o Rio de Janeiro – consta que teria morado por 15 dias com a cantora e o pai dela, até arrumar apartamento por lá. O uruguaio fez o arranjo de hits como Ouro de Tolo, de Raul Seixas, e trabalhou com Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, Elba Ramalho e Tim Maia. Mas a sua maior proeza foi compor Sandra Rosa Madalena, grande sucesso de Sidney Magal.
Krause destaca também o maestro e pianista João Antônio Peixoto, mais conhecido como Primo. Levado para Brasília pelo economista Pratini de Moraes (que foi ministro da Indústria e Comércio, das Minas e Energia e da Agricultura, entre 1972 e 2002), Primo brilhou em cerimônias oficiais, como a do jantar oferecido a Ronald Reagan na Granja do Torto, no governo de João Figueiredo. Quando Primo tocou As Time Goes By, do filme Casablanca, Reagan quebrou o protocolo e subiu ao palco para cantar junto. Outra vez, quase causou uma crise institucional ao executar o bolero Besame Mucho na festa de aniversário de Zélia Cardoso de Mello, então ministra da Fazenda, que dançou de rosto colado com Bernardo Cabral, colega do Ministério da Justiça, tornando público um romance até ali escondido entre quatro paredes.
– Eu me aperfeiçoei como baterista com o que aprendi com esses músicos, principalmente os pianistas. A maioria já morreu, não tenho mais com quem tocar – lamenta Krause, que seguiu carreira também na Defensoria Pública e hoje está aposentado.