Por muito tempo, para levar alegria e diversão às plateias do mundo todo, a indústria do cinema dependeu de uma figura que se ocultava na cabine de projeção. Sem ela, não seria possível colher os frutos do talento das grandes estrelas de Hollywood, nem dos milhões de dólares investidos em cada produção. Em Porto Alegre, um dos mais antigos projecionistas ainda em atividade (agora como recepcionista da rede GNC, no Shopping Praia de Belas) é Aírton Teixeira Cavalheiro, de 59 anos, 34 dos quais vividos dentro das salinhas de projeção.
– Se tem algum mais antigo, eu não tenho conhecimento – afirma ele.
De uma coisa, Aírton tem certeza: com o advento dos projetores digitais, que não precisam de operadores, a profissão que ele escolheu não existe mais. Sabe também que foi o último projecionista de alguns dos cinemas mais tradicionais da Capital, como Imperial, Guarany, Coral e Carlos Gomes. A certa altura, chegou a pensar que era pé-frio, já que os lugares onde trabalhava iam fechando em sequência. Então, se deu conta de que foi personagem de uma revolução tecnológica dos modelos de exibição do audiovisual. Hoje em dia, apenas salas especiais (como a Cinemateca Capitólio) ainda fazem sessões com filmes de 35mm, geralmente para reproduzir cópias de filmes cult de acervos históricos.
A paixão pela sétima arte vem do tempo de moleque na terra natal, Tupanciretã, região central do Estado. Toda vez que passava em frente ao Cine Rey, dizia para o gerente:
– Seu Otávio, no dia em que tiver uma vaga para trabalhar aí, pode me chamar.
Começou aos 17 anos como bilheteiro, depois passou a auxiliar de projecionista até virar operador, função que continuou exercendo depois de se radicar em Porto Alegre, em 1984. Houve época em que trabalhou em mais de um cinema – à tarde no Roma, na Praça Princesa Isabel, à noite no Lido, no Centro. Sempre teve consciência de que a sua presença não era para ser notada, a menos que arrebentasse a fita. Quando isso acontecia, as luzes se acendiam e gritos e apupos ecoavam na plateia, enquanto Aírton remendava o rolo em poucos minutos, que pareciam uma eternidade.
Apesar de já ter se aposentado, Aírton não escreveu um The End na trajetória de operário do cinema (ainda que, hoje, exerça outra função). De todas as salas, à que mais se apegou foi o Cine Ritz, em Petrópolis, onde trabalhou durante seis anos. Lá conheceu a esposa, Nilza, que recém havia chegado do Maranhão, quando foi assistir à comédia Cegos, Surdos e Loucos, de Arthur Hiller, com Gene Wilder, em 1989. Com ela, teve as filhas Ana Danielle, doutoranda de sociologia e ciência política da PUCRS, e Larissa, que trabalha na Santa Casa de Misericórdia como técnica em enfermagem. O orgulho de ver as filhas encaminhadas profissionalmente se mistura à satisfação de ter realizado o sonho de trabalhar com cinema. Não por acaso, o filme de que mais gostou foi Cinema Paradiso, de 1988, que se passa em uma pequena cidade da Sicília, na Itália, contando a história de um menino que faz amizade com o projecionista do cinema local.
– Só não esquentei a comida dentro do projetor, como faz o Alfredo (personagem do filme). De resto, vivi tudo aquilo e fui feliz. Uma hora vou ter que parar de trabalhar, mas sei que vou sentir saudade – conclui.