No dia 29 de junho, morreu, em Porto Alegre, aos 87 anos, o jornalista Walter Galvani. Além de diretor de redação do extinto jornal Folha da Tarde – onde foi responsável por um programa de treinamento de jovens jornalistas, que ajudou a forjar toda uma geração de profissionais competentes –, Galvani era escritor e autor de mais de 12 obras. Dentre suas criações, está a premiada Nau Capitânea, uma biografia do navegador Pedro Álvares Cabral.
Foi, também, patrono da 49ª Edição da Feira do Livro da Capital e ocupou a cadeira número 25, da Academia Rio-Grandense de Letras. Entre tantas ações que contribuíram para edificar seu sólido legado, uma delas lhe despertava especial orgulho: a campanha para a preservação do prédio do Mercado Público, que sofreu sério risco de ser demolido pela sanha “modernizadora”, que acometeu alguns administradores no início da década de 1970.
O escritor Paulo Palombo Pruss, muito apropriadamente, lançou, nos últimos dias, a proposta de que o Mercado Público receba o nome de Walter Galvani – afinal, foi ele quem empreendeu uma campanha contra a demolição, comovendo desde as camadas populares até políticos e intelectuais. Conforme escreveu Leandro Telles, outro batalhador pela preservação da memória: “A nossa mentalidade progressista e pragmática tem sido um grande obstáculo à conservação dos monumentos culturais dos nossos avós. […] Um plano diretor mal executado, no sentido de preservação, aliás sem cogitá-la, permitiu a destruição de extensas áreas que mereciam ser preservadas”.
No texto a seguir, publicado no Jornal do Mercado, no dia 6 de junho de 2008, o próprio Galvani conta a história:
“Foi em 1972. Enchi de ouvir falar em viadutos, era só do que tratava o prefeito de então, Telmo Thompson Flores. E descobri, até porque ele anunciou publicamente, que estaria derrubando “aquela velharia”, o Mercado Público, para abrir uma grande avenida, ligando a Siqueira Campos com a Júlio de Castilhos. Foi aplaudidíssimo pelos que diziam que era preciso transformar Porto Alegre numa metrópole.
Aquilo me irritou. Como? Derrubar o Mercado? Um prédio do fim do século XIX, harmônico em suas linhas simples, mas, indiscutivelmente uma marca do centro da capital gaúcha, uma referência histórica e sentimental? O estômago da cidade? Essa não!
Embora não confiando no meu taco (mentira, tinha quase certeza de que metendo na parada o velho Correio do Povo, testemunha da inauguração, derrubaria os defensores do ‘progressismo besta’. Mas havia muito trabalho pela frente.
Comecei com modestas matérias no caderno especial de domingo do ‘Correião’ e decidi ir incorporando os amigos e colegas, um atrás do outro. E assim foi que conquistei, primeiro o P. F. Gastal, depois o Mario Quintana, em seguida o Jayme Copstein, o Liberato Vieira da Cunha, o Antonio Carlos Ribeiro, o Alberto André e outros que se foram somando, um atrás do outro.
A cada domingo publicávamos uma opinião. Ou várias, como quando fiz uma enquete entre os leitores do jornal. A campanha foi crescendo e recebendo adesões, inclusive na Câmara de Vereadores. Eu nem pensava em vitória, mas vitória é o que viria.
Na Feira do Livro de 1972, eu estava lançando um livro, Informação ou Morte, sobre jornalismo, procurando fazer comparações entre o jornalismo que se praticava no mundo de um modo geral e nos Estados Unidos, de um modo particular, e fui procurado em minha sessão de autógrafos, pelo Alberto André, que era meu colega no Correio do Povo e diretor da Famecos (PUC) e o prefeito Telmo Thompson Flores.
— O Telmo tem algo a te dizer! — falou-me o André, sorridente, junto à mesa de autógrafos na Feira do Livro.
— Sim, prefeito!
— Não vamos mais derrubar o Mercado!
Não poderia ter ouvido notícia melhor. E assim, com o apoio dos mais importantes jornalistas do Estado, na época, e com a simpatia de todos, derrubamos a proposta utilitarista. E aí está o nosso Mercado Público e espero que permaneça por mais alguns dois ou três séculos ou mais…”
Pruss acrescenta: “nada mais justo que o Mercado Público leve seu nome como justa homenagem. Acho que um projeto de lei, pela importância do fato, deveria ser assinado por todos os vereadores ou, até mesmo, partir do executivo (não sei se é possível) – mesmo que tenha que ter algum prazo decorrido entre a morte e a homenagem. Pela relevância do fato, deveria, nesse caso especial, ser suprimida esta exigência. Penso, por fim, que deveria ser iniciado uma campanha para que isso aconteça.”