O texto a seguir é uma colaboração do jornalista Waldir Antonio Heck, fundador do jornal O Interior, que participou ativamente da mobilização e organização do evento narrado abaixo:
“No dia 2 de outubro de 1984, mais de 700 ônibus e milhares de automóveis levaram mais de 35 mil produtores rurais, de todos os recantos do interior do Rio Grande do Sul, para participarem do Grito do Campo, uma grande manifestação programada para ocorrer no Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre.
Essa movimentação toda, em caravanas orientadas pelas cooperativas, com os ônibus identificados por faixas e bandeiras, era aclamada com entusiasmo ao longo do percurso. O encontro, planejado em todos os detalhes nas 68 cooperativas filiadas à Fecotrigo (hoje Fecoagro - Federação das Cooperativas Agropecuários do RS) e anunciado, com destaque, nos jornais e emissoras de rádio e televisão, seria um alerta cooperativo à nação, num momento crucial da retomada da democracia.
Já no estádio, esse público especial era saudado por reconhecidos artistas que haviam aderido ao ato público para ‘aquecer a torcida’. O pajador Jayme Caetano Braun improvisou versos e protestos, emocionando a plateia. Na origem, crises de toda ordem, que geravam instabilidade econômica e social, tinham soluções sempre difíceis.
As reivindicações não tinham eco junto aos órgãos governamentais. ‘Falta incentivo, seguro e força política’, registravam os diagnósticos.Assim, naquele ano, depois de muitos debates, os dirigentes das cooperativas tomaram uma atitude mais ousada para fortalecer politicamente o setor. Apoiado por unanimidade, o presidente da federação, Jarbas Pires Machado, convocou a ‘Concentração Estadual de Produtores Rurais’ – que ficaria conhecida como ‘O Grito do Campo’.
Um ato de intercooperação que ganhou grande sinergia e destaque na mídia, por reunir lideranças de todas as correntes políticas e sociais, mostrando a força da união e a importância desse macrossetor, hoje chamado de agronegócio, reconhecido como o mais significativo do Brasil.
Além dos dirigentes de entidades rurais, os líderes partidários Pedro Simon, Alceu Collares e Olívio Dutra (futuros governadores) apoiaram a mobilização com enfáticos pronunciamentos, mostrando o inconformismo com a situação política nacional de então. A presença do candidato à Presidência da República Tancredo Neves alimentava a grande esperança para um novo Brasil. Para alívio geral, Paulo Maluf, candidato da Arena, que também foi convidado, não participou do evento.
Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo foi eleito, por voto indireto, pela Aliança Democrática, em um colégio eleitoral. Por motivo de doença grave, não conseguiu tomar posse em 15 de março, sendo hospitalizado na véspera. Assim, na condição de vice-presidente eleito, José Sarney – ex-integrante da Arena, mas rompido com Maluf – acabou por ser empossado como presidente do Brasil. Pedro Simon, convidado previamente por Tancredo foi confirmado como ministro da Agricultura.
Tancredo de Almeida Neves, nascido em São João del-Rei, no sul de Minas Gerais, em 4 de março de 1910, morreu em São Paulo no dia 21 de abril de 1985. Apesar da frustração na época, pode-se afirmar que nenhum participante – produtor rural ou destacado político – esqueceu essa primavera de 1984, em que os gaúchos tomaram mais uma atitude destemida. Tudo valeu a pena. Hoje, há exatos 35 anos desse grande feito, os ecos do ‘Grito do Campo’ ainda lembram que o cooperativismo e a agricultura são a grande força do Rio Grande do Sul.”