Do nosso leitor Mário Franklin da Cunha Gastal, de Pelotas, recebemos a colaboração abaixo, em que ele comenta o conteúdo de uma carta do século 19, que revela o cotidiano de uma autoridade às voltas com pequenas questões de sua comunidade enquanto a Província começava a arder em uma guerra que duraria 10 anos. Depois, reproduzimos o texto da correspondência na íntegra, preservando a grafia original do documento.
“Passada uma semana do início da Revolução Farroupilha, o major Manoel Soares Lima, pertencente ao Exército Brasileiro, com sede na então Vila de Nossa Senhora da Conceição de Cachoeira (atual cidade de Cachoeira do Sul, na Região Central), enviou uma carta ao seu cunhado José Pereira da Silva. Nela, pede auxilio na condução de uma questão envolvendo um escravo acusado de um crime não especificado e a dona dele, tida como defensora dos escravos. Manoel era subdelegado substituto e esta missiva parece ter sido seu primeiro envolvimento com a função.
Interessante observar que o militar não demonstra nenhuma outra preocupação maior, ou seja, ele não teria conhecimento dos preparativos nem tinha alguma noção exata da eclosão do movimento que afetaria para sempre a Província. Apenas depois de terminada a carta, num pós-escrito, pede notícias dos 'barulhos' de Porto Alegre e Rio Pardo, afirmando estar assombrado com isto. Leiam:"
"Ilmo Snr
Joze Pereira da Silva
Caxoeira
Compadre e Amigo
Ei de estimar a sua saude em companhia de minha mana e mais familia.
Compadre junto achará esse Processo para me fazer o favor de ver o que devo fazer, porquanto tenho instado o quanto me foi possível com o tal Serafim por me parecer um cazo muito vergonhoso para aparecer semelhante processo aos Jurados, porem o dito não anuhio a nada e só quer que heu fassa com que a Dona da escrava a mande surrar gravemente. Porem, como elle diz, ella apoia os Escravos, por isso quero que me mande o despaxo que devo dar nesse cauzo e como sei que Vosmece tem conhecimento com esta senhora, rogo lhe que no cauzo Vosmece veja que o dito negro deve ficar criminozo. Rogo para mandar o despaxo e também uma carta sua para a Dita Senhora a fim de Eu la hir ver se Ella com sua carta entra no conhecimento de que o dito negro fica criminozo e se ella assim faz o exemplo que se ezige, a fim de que Eu não sentenciar , pois me parece cauzo ridiculo, pois logo na primeira vez que me envolvem neste serviço ia de ser a minha firma para crime. Por isso desejava ver se poderia acomoda los, portanto rogo lhe que queira mandar o despaxo que devo dar e seja com brevidade.
Remeto lhe mais estes oficios para mandar e esse que vai para Rio Grande me pede Miz que entregue no correio e pede recibo, e queira remeter o recibo pelo portador. O recibo foi os Mapas pois vai o mapa das estatísticas e quero servir ao dito Miz.
Compadre, por cauza das inxentes não tenho podido mandar reunir o corpo para dar ordens e fardas, portanto desejo saber se posso dar ordens aos inferiores para reunir por Quarteiroens e dar lhes essa ordem havendo na estiva hum cabo e se por elle posso mandar dar tal ordem e se devo dar tempo para se aprontarem e apresentarem fardados . A pressa he grande, não repare e não vou por estar sua comadre encomodada.
Saude lhe deseja Seu Compadre Amigo Obrigado
Ipe 28 de 7brº de 35
Lima
Istou asombrado com isso
}Mande nos noticias dos Barulhos de Rio Pardo e Porto Alegre.”