O texto a seguir é uma colaboração do aposentado e cicloturista Gilberto Castoldi.
Era 1969. Estudava no “terceiro ano primário”, lá no Lajeadinho, interior de Encantado, no Vale do Taquari. Nesses dias gelados, minha mãe me acordava e logo dizia: “Gilberto, hoje “tá” muito frio. Tem que pôr bastante roupa e o sapato fechado”
Então, eu já sabia, não era dia de ir de chinelo de dedo, havaianas, “as legítimas” (rsrsrsr), como fazia regularmente. Era dia de pôr aquele sapato “melhor”, o único que tinha, que quase não cabia mais no pé, pois havia ganho em dezembro, de presente de aniversário, também mês de festa na comunidade, “passado de ano” na escola, Natal, tudo junto. Obviamente, naquele dia, não poderia jogar futebol nem “caçador”, para não estragar o calçado.
De “guarda-pó” branco, bem limpinho, e calça geralmente remendada no traseiro ou no joelho, lá ia eu para a escola, que ficava distante um quilômetro de casa. Sentia-me um privilegiado, pois como minha mãe sabia costurar, usava uma sacola “tiracolo” de pano, bem bacana, escura, para colocar o material escolar. A maioria dos meus colegas usava um saquinho plástico, aqueles de “cristalçúcar” cinco quilos. Muitos moravam longe. A “mochila” não pesava nem 200 gramas, ao contrário de hoje, que pesam um terço do peso das crianças.
No caminho, ainda me lembro, era fácil de ver as canas de milho, secas, nos potreiros, cobertas de geada. Os poucos passarinhos (sim, eram poucos, porque naquela época a gente caçava de funda ou bodoque) pareciam mais gordos, pois estavam todos arrepiados, pousados nos fios de energia elétrica. Eu também ia observando os isolantes de cerâmica que haviam nos postes. Por quê? Conto depois
Recordo que era no terceiro ano, pois foi quando aprendi a famosa tabuada. A escola era uma brizoleta, a mesma que aparece na foto, toda de madeira, bonita, com a cozinha e o banheiro em separado, de alvenaria. Mas naquele ano, como havia muitos alunos, foi construída uma sala nova, nos fundos. Era nesta que eu estudava. Telhas de barro, uma parede lateral de madeira e outra de “tela”. Sim, tela, dessas de galinheiro, alambrado. Por dentro, por causa do sol, havia uma cortina de pano, acho que de “chita”.
Era “frio pra dedéu”. Então, foi definido que o recreio seria alternado. Entrava uma turma, saía outra. Nesses dias gelados, a turma de sete ou oito alunos se reunia na cozinha, ao redor do fogão a lenha. Assim, poderíamos esquentar os pés e, principalmente, as mãos. Alí, num dia ganhávamos uma deliciosa xícara de leite em pó, quentinho, e, em outro, tinha uma saborosa sopa de legumes. Os vegetais eram colhidos na horta do colégio. A “merendeira” era a querida Elaine Bergamaschi, se não me falha a memória.
Ao final da aula, junto aos meus amigos, tomava o rumo de casa. Cada um enchia um bolso com pedras, puxávamos a funda que estava no outro bolso, mirávamos nos isolantes de cerâmica e... “pimba”. A cada dois ou três meses, os funcionários da CEEE passavam, com uma bolsa cheia de isolantes, fazendo a substituição das “xicrinhas” indevidamente danificadas. Molecagem...
Ah, ia me esquecendo! Na festa, pelo Dia das Mães, todas compareciam à escola, trazendo quitutes etc. Num dia, após a homenagem, houve um jogo de “caçador”, no pátio de chão batido, competição que integrou mães e alunos. Acho que a cena me traumatizou, pois nunca me esqueci. Chamaram as mães para jogar e colocaram duas cadeiras, ao lado da quadra, para que as “mais velhas” sentassem. Minha mãe ocupou uma das cadeiras “das velhas”. Não tinha mais de 48 anos. Viveu com ótima saúde até os 91. Gostaria que tivesse jogado caçador junto comigo naquele dia. Imagina, hoje, ser considerada velha aos 48 anos!