Por Pedro Haase Filho, interino
A tradição dos Ternos de Reis, que celebra o Dia dos Reis Magos a cada 6 de janeiro, ainda persiste em algumas localidades do Rio Grande do Sul, especialmente na região litorânea. Não há registros de quando esses grupos musicais, que anunciam o nascimento de Cristo passando de casa em casa, começaram a proliferar no Estado. Sabe-se, no entanto, que essa é uma tradição de origem portuguesa e que aqui chegou com os açorianos que desembarcaram no século 18. A depender do local, a celebração recebe outros nomes, como Folia de Reis, Reisado ou Festa dos Santos Reis.
Durante anos, praticamente ficou no esquecimento do público urbano. Era conhecida apenas em paragens distantes, onde o "progresso" ainda não havia chegado. Graças ao genial Paixão Côrtes – agrônomo, folclorista, pesquisador e músico, que morreu em 2018, aos 91 anos –, o costume açoriano pôde novamente ser reverenciado por uma audiência maior ao lançar, em 1960, o livro Terno de Reis – Cantigas de Natal, resultado de pesquisas em incursões por regiões de ascendência açoriana na década de 1950.
Mas houve um tempo em que os Ternos de Reis tiveram um alcance de público difícil de se imaginar atualmente. Prova disso é que, em 1914, a pioneira gravadora A Casa Electrica, de Porto Alegre — a segunda mais importante do Brasil na época —, gravou e lançou pelo selo Disco Gaúcho as canções Reis Camponeses e Chegada dos Reis. Viraram sucesso entre as famílias que possuíam gramofones em suas residências. Ainda que nos dias de hoje os Ternos de Reis fiquem restritos a localidades de poucos municípios, o fato é que sua história e tradição passaram a fazer parte definitiva do imaginário gaúcho.
O ritual e a música
A cantoria no Terno dos Reis começa diante da casa visitada pelos músicos e porta-estandartes. Se o morador concorda com o canto, abre a porta e convida o mestre e seus cantadores para entrar.
No momento da chegada, até a entrada na casa, o grupo canta em ritmo de xote (dependendo da região, a letra da música sofre algumas alterações):
“Agora mesmo chegamos
Na beira de seu terreiro
Para tocar e cantar
Licença peço primeiro
Meu senhor dono da casa
Acordai se estais sonhando
Venha ver os Três Reis Magos
No seu rancho estão chegando."
Depois de acesas as luzes da casa, volta o Terno a cantar:
"Porta aberta, luz acesa
Sinal de muita alegria
Entra eu, entra meu terno
Entra toda a companhia.”
A cultura e os ternos
Foi graças ao ítalo-brasileiro Saverio Leonetti, fundador de A Casa Electrica, e ao folclorista Paixão Côrtes que os Ternos de Reis tiveram repercussão além das regiões que ainda reverenciam a tradição. Ao decidir criar uma gravadora e o selo Disco Gaúcho, Leonetti proporcionou ao público urbano o contato com diferentes músicas que remontavam aos mais antigos costumes gaúchos. Já Paixão Côrtes, figura seminal do tradicionalismo, preocupou-se em deixar impresso em livros suas descobertas folclóricas por todo o Estado, com dezenas de títulos além da capa.