Eram 21h30min de uma segunda-feira, o locutor de voz tonitruante deu o prefixo da emissora e anunciou:
– No ar, o programa Trovadores do Rio Grande...
Em reportagem de José Amádio, com fotos de Ed Keffel, para o número 463 da Revista do Globo, de julho de 1948, o jornalista informava: “Os trovadores, uma das mais legítimas expressões folclóricas do Sul, estão novamente em contato com o povo, através de um movimentado programa da Rádio Sociedade Gaúcha”.
“O auditório da PRC-2, a ‘vovó das rádios sulinas’, parecia, mal comparando, um bonde de subúrbio em hora de fechar o comércio. Tratava-se de uma plateia heterogênea como terceira classe de navio. Brancos, pretos, crianças, velhos, grã-finos, mocinhas de saia comprida, militares, as indefectíveis matronas sempre vigilantes – gente, povo, enfim. Às 19h, todas as poltronas já estavam ocupadas. Às 20h, não havia mais lugares nos corredores. Às 21h, um reforçado policial de fardamento azul-escuro dizia ‘não pode ser’ aos fãs retardatários que desejavam ingressar no recinto”, relata o repórter.
“Trata-se de um dos programas mais populares do nosso rádio”, disse a ele o radialista Cândido Norberto. A trova é uma das mais características tradições gaúchas, e os gaúchos vivem, por excelência, de tradições. Alguns anos antes, a mesma Rádio Gaúcha lançou o primeiro programa de trovas, que foi um sucesso fabuloso. Trovadores de todos os recantos do Estado chegavam a Porto Alegre, atraídos pelos prêmios e pela possibilidade de cartaz. O público, às vezes indisciplinado e temperamental quando os concorrentes se “arroxavam”, partia para vaias, discussões e aquilo “virava um inferno”. Um dia, dois trovadores se ofenderam diante do microfone e terminaram a contenda na rua, diante do prédio, a faca. Foi um ponto final.
Entretanto, por uma legítima imposição dos ouvintes, tempos depois, o programa voltou. Eram seis trovadores previamente inscritos. Apresentavam-se primeiro dois, depois mais dois, e os vencedores iam disputando uns contra os outros. O desafio normalmente começava ameno, com elogios mútuos, e logo as delicadezas davam lugar à descompostura: “Tu era ladrão de cavalo, teu pai tomava cachaça”, dizia um. “Meu pai tomava cachaça, mas o teu roubava crianças”, respondia o outro. E assim iam... Tudo de improviso, claro, num “torneio de inteligência”.
Um dos melhores e mais temidos sempre foi o Gildo de Freitas. “Esse cara vive, exclusivamente, da garganta e da imaginação. Faz versos como quem come pitangas...”, diz o jornalista. Outro famoso era um tal de Tereco, troncudo e moreno. Duelos históricos, muitas vezes com o acompanhamento do gaiteiro Inácio Cardoso, também trovador de renome.