Gentílicos são uma classe de palavras que designam um indivíduo de acordo com o seu local de nascimento, relacionado a países, Estados, regiões, províncias, enfim... Nós aqui do Rio Grande do Sul sabemos que somos e que nos tratam como gaúchos. Existe, inclusive, um enorme sentimento de orgulho por fazer parte desta categoria. Justificado (ou não), esse comportamento, infelizmente, carece, na maioria das vezes, de um grau de informação adequado sobre o que é, exatamente, ser gaúcho.
Em sua coluna da última sexta-feira, intitulada “Gaudério”, o meu colega e vizinho Eduardo Bueno, o Peninha, fez algumas considerações sobre o tema, deixando claro que até mesmo a origem etimológica da palavra gaúcho ainda é um enigma. Só não há dúvida de que, no início, o vocábulo era pejorativo, usado para definir alguém vagabundo, aquele que leva uma vida errante, sem destino, que vive perambulando. Essa transição de infâmia para “louvor” é curiosa.
Para entender melhor e não dizer bobagem, uma boa ideia é começar pela leitura do ótimo livro A Origem do Gaúcho e Outros Ensaios, de Fernando Cacciatore (130 páginas, Buenas Ideias, 2017). Nessa edição caprichada, com capa dura, o autor, um diplomata que morou em diversos países, entre eles a Argentina, brinda-nos com a sua cultura, independência intelectual e coragem para enfrentar “verdades” estabelecidas tanto pela hegemonia dos escritores do centro-nordeste brasileiro como pela dos autores do Prata.
Uma das coisas legais é a sua capacidade de revisitar o passado sem abraçar os preconceitos que se forjam através do tempo, especialmente em momentos de ruptura, como na transição do Império para a República, ou após a Semana de Arte Moderna. O farol de Cacciatore é o Iluminismo. Com a sua inteligência, o escritor nos alerta que é natural que, depois de mudanças radicais, as novas ideias se imponham, impedindo que vejamos o que poderia haver de virtudes anteriormente.
É necessário maturidade (e informação) para compreender o passado e avaliá-lo corretamente. O poder hegemônico também constrói paradigmas que devem e precisam ser reavaliados. Ser gaúcho, como o porto-alegrense Fernando Cacciatore, é ser livre, principalmente para pensar.