A Igreja da Redução de São Miguel Arcanjo constitui parte fundamental da ação evangelizadora empreendida pelos padres da Companhia de Jesus, que semearam, na América Meridional, entre 1609 e 1768, os 30 povos, sete deles situados na região noroeste do atual Estado do Rio Grande do Sul.
Essa majestosa igreja foi projetada pelo irmão jesuíta Juan Bautista Prímoli, arquiteto milanês com larga experiência em construção de templos. Prímoli, antes de chegar à redução de São Miguel, já havia executado projetos de grande envergadura nas cidades de Buenos Aires e Córdoba. No povoado de São Miguel, seu projeto foi inovador. Aqui, com paredes portantes planejadas para suportar o telhado. Assim, a construção se iniciaria na base, ao contrário das primeiras igrejas missioneiras, nas quais o apoio do telhado se concentrava em pilares de madeira, conforme a tradição indígena. Nessa, os arcos da nave central estão apoiados sobre largos pilares de arenito, com pares de pilastras adossadas que dão ritmo e leveza à importante arcada.
Certamente, Prímoli planejou para São Miguel um templo ao estilo europeu, com abóbadas de pedra e uma elevada cúpula, à semelhança da igreja da Companhia, em Roma. Torna-se evidente, quando se observa a sua fachada, que funciona independentemente da torre e do pórtico. Comprovando esse argumento, a foto da fachada mostra pilares e capitéis sob as paredes laterais do pórtico, edificadas posteriormente, quando Prímoli já se encontrava na redução de Trinidad.
A construção do pórtico era um desejo do pároco de São Miguel, padre Francisco Ribera, que pretendia construí-lo considerando esse espaço para ministrar a catequese, assim planejada: pela manhã, em horas alternadas, os moços recebiam os ensinamentos religiosos. Após, as moças, e, em seguida, as crianças.
Essa construção, escondendo parte da fachada projetada por Prímoli, foi motivo de vários desentendimentos e até de hábeis transferências dos responsáveis pelos projetos. Sobre esse tema, o pesquisador argentino Sustersic (1999) oferece ricos detalhes.
Esse importante patrimônio da humanidade atravessou o final do século 18 e todo o 19 com raros guaranis e sem os jesuítas, lamentando a perda desses artífices, até chegar ao século 20. Sabe-se, também, que, no início do século passado, foi autorizado pela Intendência Municipal de Santo Ângelo o uso dos remanescentes arquitetônicos jesuíticos (São Miguel Arcanjo, São Lourenço, São João Batista e Santo Ângelo Custódio) para a construção de prédios públicos.
Pelo abandono e descaso, a vegetação tomou conta da majestosa igreja, da casa dos padres, do colégio e das casas dos principais obreiros, os guaranis. Por conta disso, em 1925 e 1927, o governo do Estado, por meio da Secretaria de Obras Públicas, realizou a primeira limpeza e manutenção dos remanescentes desse povoado missioneiro. Hoje, novos significados são atribuídos a esse patrimônio, como exemplo de uma sociedade singular.
Texto da mestre em História, pesquisadora na área do barroco jesuítico-guarani e professora de História da Arte (URI) Claudete Boff, para o livro O Tempo e o Rio Grande nas Imagens do Arquivo Histórico do RS (2011).