As melhores recordações ou, melhor dito, as mais simples e gostosas, vêm a minha memória a partir dos 15 anos de idade, pois a adolescência é um momento de transformações da nossa pessoa, em termos biológicos, e de amadurecimento da nossa própria vida, em termos de novos caminhos que começamos a trilhar.
Duque de Caxias – Colégio Anchieta – Viaduto Borges de Medeiros – Rua da Praia – Galeria Chaves e o abrigo da Praça XV, onde pegávamos o bonde que nos levava através da Avenida Otávio Rocha, Pinto Bandeira, Independência, até a esquina da Santo Antônio, onde morávamos. Gostosas reminiscências do nosso dia a dia, ir e voltar para a escola. Na ida, era diferente, pois íamos a pé até o Anchieta, através da Independência, Praça do Portão e Duque de Caxias: Jorge Englert, Günter Berwanger e eu, fizesse chuva ou sol, calor ou frio, repetíamos todos os dias o mesmo roteiro. Uma ida e volta prazerosa, acompanhada de conversas alegres e descompromissadas... O tempo passava rápido.
Nessa rotina simples, estávamos nos preparando para o futuro, não precisávamos de segurança nem de transporte porta a porta, não tínhamos preocupações com o ir e vir e tampouco nossos pais se preocupavam com a nossa rotina de pessoas livres para se movimentar. Ensaiavam os nossos passos para a autodeterminação.
Pelo menos uma vez, recordo-me de que esse hábito diário foi interrompido e o fato marcou-me muito: o Brasil declarara guerra ao eixo Alemanha-Itália, e pela primeira vez vi o que significava uma massa ensandecida de centenas de pessoas irracionais conduzidas por um ou dois ‘incendiários’, que, com porretes e palavras de ordem, lideravam um quebra-quebra que destruía todas as casas de comércio da Rua da Praia ou adjacências que portassem nome italiano ou alemão: Bromberg, Guaspari, Foernges, Capelli etc.
O fantástico foi que cidadãos brasileiros, aqui radicados e aqui trabalhando, de repente, em um passe de mágica, passaram a ser mal vistos pelos ‘puros-sangues nacionais’, aliás, uma idiotice pois ‘puros-sangues’ eram apenas os índios, os demais, a quase totalidade dos brasileiros, eram e são uma miscigenação de etnias da qual resultou um magnífico exemplo: o gaúcho.
Nascido em Caxias do Sul e criado em Porto Alegre, trouxe da minha terra natal um grande exemplo da colonização italiana: o amor ao trabalho, a verdade e a determinação. Quando penso no desrespeito com o qual um grande número de degenerados políticos brasileiros em todos os níveis (federal, estadual e municipal), que deitam e rolam sobre os valores éticos e morais da maioria da sociedade e o fazem seguros da impunidade, sem lembrar que a comunicação moderna e o consumismo geram tensões e desesperanças.
Então, penso o seguinte: se um dia lideranças cidadãs desconformes com o desrespeito hoje existente para com a sociedade empunharem uma bandeira com a inscrição ‘Basta – queremos um Brasil decente e justo’, estaremos trilhando o caminho do novo Brasil.
Texto de Paulo Vellinho para o livro Histórias de Porto Alegre Contadas por seus Cidadãos (2009), organizado por Carlos Alberto Pippi da Motta.
Aos 90 anos, o empresário lançou, no último dia 15, o livro Paulo Vellinho – O Realizador de um Sonho Chamado Springer (Fronteira, 370 páginas), sobre sua longa trajetória, de mais de 60 anos, como empreendedor. A obra é assinada pelo experiente e consagrado jornalista Mario de Santi.