Aos 90 anos, o empresário Paulo Vellinho está lançando um livro. Escolheu contar casos, não fazer uma biografia. Com uma trajetória de seis décadas de empreendedorismo, Vellinho marcou o processo de industrialização do Estado. Nos anos 1950, diante dos desafios da produção, adotou postura de startup para criar a Springer, que depois se associou à americana Carrier e foi vendida à chinesa Midea. De certa forma, uma trajetória bem brasileira.
Casos, não biografia
“Quis relatar casos, conto sucessos e fracassos. Inovei muito em tecnologia de processos, porque não tinha capital para fazer a empresa do nada. A Springer era pequena, fazia cem geladeiras por dia. Fui aos Estados Unidos, meu sonho de adolescente, por causa do cinema. Sempre fui fascinado pela sociedade americana, onde a classe média era dominante, podia satisfazer os desejos de conforto e bem-estar. Lá, vi tecnologia de processo e produto. Só me de dei conta de que não era adaptável. O custo do capital e da mão de obra se cruzam. Lá, a mão de obra é cara e o capital, barato. Aqui, era o contrário.”
À frente do tempo
“Voltei de lá embalado, mas caí na real. Não tinha dinheiro, nem da empresa, nem dos sócios. Usei o seguinte raciocínio: ter produtos de vanguarda. A realidade me levou a um tipo de solução interessante, terceirizar tudo, estava 40 anos à frente. Pude transferir o custo da produção terceirizada e lançar produtos no mercado. Havia preconceito sobre o ar-condicionado. Dizia-se que matava velho, criancinha, dava pneumonia. Não quis acreditar que não havia espaço em um país tropical e com um inverno horrível. Falaram para esperar, não esperei, fiz. Mas levei dois anos para aprender a vender. Um americano com cadeia de lojas em Boston me ensinou que tem de ser no corpo a corpo. Tem de escolher 10 formadores de opinião, vender 10 e, depois que eles estiverem satisfeitos, pedir para indicar mais 10.”
Fracassos
“Sou vanguardeiro, lancei a geladeira de duas portas, lado a lado, 1972, 30 anos na frente do concorrente. Não deu certo por detalhe. As portas americanas tinham a mesma dimensão da geladeira. Para instalar, tinha de tirar a porta, passar o corpo e remontar, não deu.”
Ambiente de negócios hoje
“O Brasil é desorganizado, mata o empreendedor. Quem ousa corre o risco de não poder fazer. É uma tragédia, injusto. Eu felizmente peguei uma fase da indústria brasileira em que tudo estava por fazer e os governos eram mais estáveis. Hoje, não tem governo.”