Uma sociedade sem arte é uma sociedade sem ar.
EVA SOPHER (1923-2018)
Em Porto Alegre, o hábito de frequentar o Theatro São Pedro para assistir às companhias líricas estrangeiras era sinônimo de status e elegância. Inaugurado em 27 de junho de 1858, esse tradicional espaço cultural completa, hoje, seus 160 anos.
O filósofo, historiador e professor Décio Andriotti (1932-2018), no livro RS no Contexto do Brasil (2000), organizado por Lotário Neuberger, registrou: “(…) Durante um século, da metade do século 19 até a metade do 20, a ópera foi o gênero preferido do gaúcho”. Morto em Milão, na Itália, em 29 de abril de 2018, Andriotti, num de seus incontáveis garimpos históricos, teve a primazia de localizar, em 1994, na Biblioteca Pública do Estado, a partitura para canto e piano da Ópera Carmela, que tinha seu paradeiro desconhecido há muito tempo.
A ópera foi encenada pela primeira vez em 17 de outubro de 1902, no Theatro São Pedro. Composta pelo gaúcho José de Araújo Vianna (1871-1916), aos 28 anos de idade, a Ópera Carmela, desde a sua primeira apresentação, foi um sucesso. Com o título “Theatros e diversões”, o jornal A Federação (1884-1937), em 18 de outubro de 1902, assim publicou: “Essa ópera do nosso patrício Araujo Vianna, cantada hontem, no S. Pedro, pela companhia lyrica Ferrari, é a estreia de um compositor mas não é o trabalho de um principiante (...)” (sic). O libreto da ópera, em sua estreia, é de autoria do cearense Leopoldo Brígido (1876-1947) e foi versificado, em italiano, por Ettore Malaguti (1871-1925).
Sob a regência de Ciro Colleoni, os porto-alegrenses assistiram à apresentação de Carmela. Murilo Furtado (1873-1958) – primo de Araújo Vianna – compôs a Ópera Sandro, que, na época, disputava com Carmela a preferência da plateia, lotando o Theatro São Pedro. Estes dois músicos, respectivamente, compuseram, em 1902, as primeiras óperas em solo gaúcho.
De acordo com o artigo do professor Andriotti, no livro Rio Grande do Sul – Aspectos da Cultura (1994), organizado pelo historiador Harry Rodrigues Bellomo e editado pela Martins Livreiro, a Ópera Carmela foi encenada cinco vezes em 1906 no Teatro São Pedro de Alcântara, no Rio de Janeiro, tendo excelente acolhida pelo público da então capital do Brasil. Araújo Vianna viajou também a Buenos Aires e a São Paulo, onde a apresentação da sua Ópera Carmela foi um sucesso. No Rio Grande do Sul, além da capital gaúcha, a ópera foi encenada, em 1907, nas cidades de Rio Grande e Pelotas. Nosso compositor costumava afirmar que, excluídas as óperas de Carlos Gomes (1835-1896), Carmela havia superado as expectativas em número de apresentações.
Durante a pesquisa sobre essa ópera, Andriotti rastreou as páginas dos jornais gaúchos A Federação (1884-1937) e Correio do Povo (1895), além dos cariocas Jornal do Brasil (1891) e Jornal do Commercio (1827-2016). Esses periódicos fazem parte dos acervos do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, em Porto Alegre, e da Biblioteca Nacional (RJ). Após ter localizado, em 1994, a partitura desaparecida, Décio Andriotti escreveu um artigo, publicado pela Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre, cuja apresentação é de Luiz Pilla Vares (1940-2008).
Informada sobre a descoberta da partitura pelo próprio Andriotti, a Ospa a utilizou, em 1999, como base para a reapresentação da ópera. Orquestrada pelo maestro Íon Bressan, esta versão foi também apresentada por concertos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Infelizmente, no programa do espetáculo não foi registrado o mérito do pesquisador, embora outros meios de comunicação, como o jornal Zero Hora, tenham dado destaque ao valor histórico da partitura encontrada. O professor Andriotti registrou este fato, em nota de rodapé, no livro Centenários (2008). A obra foi organizada por Lotário Neuberger, do Centro de Pesquisas Literárias (Cipel), do qual Décio Andriotti fez parte, colaborando em várias publicações, com excelentes artigos.
Em reconhecimento pelo seu importante legado musical, a exemplo da Ópera Carmela, a Academia Brasileira de Música escolheu o porto-alegrense Araújo Vianna como patrono da cadeira número 34. Localizado no Parque Farroupilha, na Capital, o espaço cultural Auditório Araújo Vianna é uma homenagem a este importante músico e compositor gaúcho.
Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu da Comunicação HJC