"O ban-lon surgiu nos Estados Unidos e foi sucesso no Brasil nos anos 1960. Muita gente usou esse tecido sintético. Meu irmão tinha um pulôver azul. Mas eu nunca dei confiança para o pulôver de ban-lon do meu irmão Gilberto.
Nunca tive vontade de usar. Não tava nem aí, até uma tarde chuvosa do outono de 1963. O pulôver era de um azul diferente, suave, muito bonito, gola em ‘v’. Meu irmão não tinha muitos blusões, mas gostava de se vestir bem. Aos domingos, ele ia à missa quase sempre com ele. A igreja Santa Teresinha de então era quase um local para desfile de jovens. Naqueles anos, essa história de ‘sociedade de consumo’ estava ainda distante, e a verdade é que a gente não sentia falta. Mas até por aí. Comecei a mudar de ideia quando, no meio de uma tarde fria, de chuva fina, tocou a campainha. Eu fazia meu tema de casa, como de hábito, na mesa da sala, ao lado de uma janela, de onde volta e meia olhava para o quintal do sobrado ao lado, com algumas árvores frutíferas, quando, novamente, tocou a campainha.
Morávamos no segundo andar, em um apartamento de fundos, na Avenida Cristóvão Colombo. O prédio não tinha portão nem nada, veja só. Você entrava e ia direto à residência do morador. Não havia surpresa ruim. No caso, a surpresa era até muito boa, como pude constatar pelo olho mágico, a moderna tecnologia de então. Uma menina do bairro, muito linda. Ela era uma simpatia.
Sempre fui extremamente encabulado, ainda mais diante de uma visita tão inesperada... e bonita. Minha vergonha era tanta, que meu rosto fervia e ficava todo vermelho. Você sente aquela onda de calor subindo, aí fica tudo cor de sangue e a 40ºC. Você começa a suar, a tremer, e a coisa é incontrolável. Exatamente o que estava acontecendo comigo. Meu cérebro descolara completamente da minha vontade e, de propósito (com certeza), desencadeava uma sucessão de constrangimentos. Um atrás do outro.
Descobri que a linda menina ‘queria emprestado o ban-lon azul do teu irmão Gilberto, para uma festa’. Fomos até o quarto procurar aquela ‘maravilhosa’ peça de roupa do meu irmão, que me proporcionava aquele momento único. Encontramos. Ela quis experimentar, ali, na hora, e foi logo tirando o seu e colocando aquele fantástico pulôver de ban-lon naquele belo corpo de menina. O tal calorão, lá do início, que já estava amenizando, voltou a todo o vapor. Saí do quarto em seguida, ela também. Deu um aceno e... foi-se.
Não lembro se levou ou não o pulôver, mas fiquei cultivando aquela cena durante muito tempo. Com 12 anos, não se entende (entendia?) nada de nada, e se o seu cérebro impõe sempre aquele suor, tremedeira e gagueira a cada acesso de timidez, você tem de aceitar.
Vem o calor e aquela cor: é pra já!”
Colaboração de Inácio Knapp